Em julho passado, três autoras publicaram no JAMA uma coluna de ponto de vista que provocou uma discussão pertinente sobre os médicos. Atualmente, eles estão sofrendo mais com burnout ou com transtorno depressivo maior? Além de serem diagnósticos diferenciais, essas duas condições apresentam sintomas que se sobrepõem. Por isso, esse diagnóstico representa um desafio.
Burnout x Depressão
É de conhecimento geral que a medicina é uma carreira estressante e que pode estar associada a níveis consideráveis de sofrimento. O burnout é tido como uma síndrome associada ao trabalho, caracterizada pela exaustão emocional, sensação de ineficácia (ou cinismo) e despersonalização. Frequentemente, está relacionado a um trabalho exigente, que pode ser acompanhado de escassez de recursos para desempenhar seu papel. Já a depressão é um transtorno mental com critérios diagnósticos bem definidos e que pode ou não estar associada a um evento estressor.
A relação entre essas duas condições é motivo de controvérsia. Há quem as considere como categorias diferentes e há quem acredite que o burnout é uma forma de transtorno depressivo envolto em um aspecto social. Esta última ideia é reforçada por alguns estudos. Para compreender a associação desses dois quadros e diferenciá-los, é necessário compreender a origem dos sintomas e desenvolver ferramentas ou estratégias diagnósticas. Deve-se considerar também que um diagnóstico incorreto faz com que os pacientes deixem de buscar tratamento farmacológico ou uma psicoterapia. Ele se volta para estratégias de redução de estresse, como ioga ou mudanças no trabalho, que podem não ser tão efetivas.
O estigma das doenças mentais
O estigma que envolve as doenças mentais pode fazer com que casos de depressão sejam considerados como burnout. Afinal, o burnout seria uma reação a algo que é externo ao indivíduo, diferente da depressão. Além disso, a fluidez e falta de clareza das características diagnósticas do burnout são questionadas. As autoras dão como exemplo alguns estudos sobre burnout. Neles, a explicação dos critérios envolvidos e a quantidade deles para fechar o diagnóstico variou de forma importante. Como concluíram que o burnout não possui um conjunto tão bem articulado de sintomas, consideram mais difícil fazer um diagnóstico consistente. Citam também mais exemplos relacionando a sobreposição dos sintomas:
A exaustão pode ser considerada um expressão do burnout ? Ou uma forma de fadiga associada ao transtorno depressivo?
A insatisfação com a performance profissional pode ser confundida com anedonia?
Despersonalização é um sintoma de burnout ou um mecanismo de defesa?
Recentemente, parece que o número de casos de burnout vem aumentando entre os médicos. Mas, além dele, outros quadros também vêm se destacando. Por exemplo, a insatisfação com o equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional, a presença de transtorno por uso de substâncias, de transtorno depressivo maior e aumento das taxas de suicídio. Apesar do destaque para o burnout nos últimos tempos, há uma preocupação crescente com os casos de depressão e ideação suicida.
Burnout, depressão e ideação suicida
Um estudo até relacionou burnout com ideação suicida. Entretanto, ele possuía importantes limitações metodológicas. Enquanto isso, outro trabalho conseguiu demonstrar de forma mais consistente a relação entre ideação suicida e depressão. Por isso, e devido às graves consequências envolvidas, na presença de ideação suicida é imperativo descartar a presença de transtorno depressivo maior.
Cabe destacar também a alta prevalência de depressão na população. Dentro do meio médico, em uma população de internos e médicos residentes presume-se uma taxa de depressão de 4% ao início do curso. Contudo, este valor pode aumentar para 25% após 3 meses, permanecendo dessa forma durante todo o período da formação.
É importante que o “burnout” não se torne uma expressão genérica para se referir ao sofrimento emocional dos médicos. E diagnosticar corretamente aumenta as chances de que se obtenha o tratamento adequado. O estigma e a vergonha que envolvem as doenças mentais fazem com que muitos procurem um diagnóstico conveniente. Mas que pode não ser o mais adequado, levando a conclusões erradas e retardando o tratamento correto.
Considerações finais
Algumas sugestões para diminuir isso envolvem a utilização de algumas escalas breves e simples. Estas avaliam o diagnóstico de transtorno depressivo (ex: PCL-9) em todos os pacientes com suspeita de burnout. Complementar isso com a avaliação (com ou sem escalas) do transtorno por uso de substâncias e dos transtornos ansiosos ajuda a diminuir os riscos de um diagnóstico inadequado. Além disso, outra forma seria criar serviços de psiquiatria confidenciais que facilitassem o acesso dos médicos. Como, por exemplo, um serviço de 30. Finalmente, é essencial combater os estigmas das doenças mentais. Dessa forma, talvez mais médicos se sintam melhor ao reconhecer que seu problema é uma alteração cerebral tratável e não apenas uma situação de trabalho.
Autora:
Paula Benevenuto Hartmann
Residente em Psiquiatria pela UFF ⦁ Graduação em Medicina pela UFF
Fonte: Porta Pebmed