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O massacre na EE Professor Raul Brasil, em Suzano, reacende os alertas para a urgência dos cuidados com saúde mental na escola

Foto: Divulgação

Saúde mental na escola: faltam parcerias e políticas públicas

Publicado em 25/03/2019 às 09:16

Choque. Dor. Tristeza. Vazio. Raiva. Incompreensão. Culpa. Quando uma tragédia se abate sobre uma comunidade, os sentimentos ficam à flor da pele. Não foi diferente no caso do tiroteio na Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo. O massacre que deixou 10 mortos (incluindo os atiradores) e 10 feridos na manhã da última quarta-feira (13/03) foi causado por dois ex-alunos da Raul Brasil.

Um breve revirar pelo noticiário nos últimos anos mostra que as escolas brasileiras têm sido alvo de violências autoprovocadas (como cutting e suicídio) e interpessoais (como violência contra outras pessoas). De 2002 a 2018, foram 28 mortes e 65 feridos entre alunos e professores vítimas de massacres em escolas. Com exceção de um incêndio criminoso de autoria de um funcionário afastado, todos os outros casos foram tiros disparados por adolescentes com algum tipo de vínculo com a escola: alunos, ex-alunos e jovens que se relacionavam com alunos das instituições. As motivações são diversas tanto nos casos de violência interpessoal, quanto autoprovocadas, mas elas apontam para um problema que as instituições escolares costumam jogar para debaixo do tapete: a saúde mental.

“A consequência é o despreparo absoluto para lidar ou acolher quando acontecem situações que envolvem a saúde mental”, diz Luciana Szymanski, professora de Psicologia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação – Psicologia da Educação, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Claro que ninguém – seja profissional da Educação ou da saúde mental – vai estar preparado para uma situação como essa, que desorganiza qualquer um de nós profundamente”, considera. No entanto, ela pode colaborar para criar um ambiente acolhedor não só após acontecimentos traumáticos, como em seu dia a dia, até mesmo para preveni-los dentro ou fora da escola.

Dentro da promoção da saúde mental – para que as pessoas encontrem caminhos para enfrentar os sofrimentos que se deparam ao longo da vida –, a escola é um palco privilegiado para ações. “Ela é um espaço em que os indivíduos passam grande parte de sua vida, de socialização de valores, de convivência plural em que a diversidade e divergência também vão acontecer”, considera Marilene Proença, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora de Psicologia Escolar e Políticas Educacionais. Além disso, nem sempre as famílias contam com um espaço de diálogo. “Não é que não vai ter mais sofrimento, mas se constrói uma estrutura para que, nos momentos de crise, as pessoas tenham suporte e que vão contribuir para entender esses momentos de crise.”

Para Luciana, os massacres em escolas, assim como outras violências, estão ligados a tensões sociais que fogem da escola, mas se refletem nela. “De certa forma, a sociedade restringe os espaços de diálogo e negligencia a vida, banalizando a morte e violência”, explica. “O que não considero saudável é a forma com que a sociedade está lidando com a vida. No entanto, as crianças e adolescentes vão se constituindo cotidianamente nessa sociedade em que ‘arma é poder’, existe uma ideia que as pessoas morrem [tragicamente] mesmo, não há política pública presente e não há articulação entre áreas como Saúde e Educação”, diz a professora da PUC-SP.

Na avaliação da especialista, falta espaço para dialogar de modo que as pessoas se sintam ouvidas e amparadas. “É preciso abrir espaço para que as pessoas falem sobre suas questões, seus sofrimentos e possam colocar em palavras o que sentem – e não em violência”, afirma Luciana. Evidências de como o debate de saúde mental na escola é necessário não faltam. Do lado dos educadores, 53% deles relatam que os casos de afastamento no trabalho por motivos de saúde eram relacionados à saúde mental, sendo destacados problemas de ansiedade (68%), estresse (63%) e depressão (28%). Os números são de uma feita em pesquisa digital realizada em 2018 por NOVA ESCOLA com mais de 5800 educadores.

A vulnerabilidade dos alunos também aparece nos dados. Segundo o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 21% dos jovens de 14 a 25 anos têm sintomas de depressão. Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) mostram um aumento de 18% no suicídio de adolescentes de 10 a 19 anos no Brasil. Pesquisas internacionais apontam que entre 16% e 23% dos adolescentes praticam a automutilação (o chamado cutting). Cresce ainda o número de vítimas da automutilação digital, prática de enviar mensagens abusivas e ameaças contra si mesmo de forma anônima na internet. Embora não haja levantamentos brasileiros sobre o tema, uma pesquisa americana publicada na revista científica Journal of Adolescent Health com 5.593 estudantes com idades de 12 a 17 anos, mostrou que um em cada 20 jovens já praticou a automutilação digital.

 

Os obstáculos da conversa

Por se tratar de um tema delicado, que envolve preconceitos e julgamentos, há pouca informação disseminada entre a população sobre como tratar quem sofre de depressão, ansiedade ou transtornos comportamentais. E aí se perpetua um silêncio perigoso que oculta angústias de todos os lados em um clima escolar ruim. Para além de impactos na aprendizagem, que necessita de um ambiente harmonioso, respeitoso e de colaboração, a saúde mental dos diferentes atores da escola também impacta a convivência.

Para superar o tabu, no entanto, a escola precisa se informar e se formar. “Nós sabemos ensinar Português ou Matemática, mas não sabemos o que fazer com um tema que é o calcanhar de Aquiles da escola, que é a convivência”, disse Luciene Tognetta, professora de psicologia escolar da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem). “Muitas vezes não se faz nada porque não se sabe o que fazer”, aponta Luciene.

Além da desinformação sobre o tema, há outros fatores que contribuem para essa falta de diálogo sobre o tema saúde mental na escola, como políticas que garantam profissionais da saúde em escolas e a própria distância entre universidade e comunidade. “É preciso fazer com que haja essa aproximação entre os profissionais da saúde e escola. Há um desconhecimento na Educação de que você pode acionar grupos para apoiar esse trabalho”, cita Luciana Szymanski.

 

Os caminhos da saúde mental na Educação

“A escola sozinha não dá conta de todas as situações”, afirma Marilene Proença, da USP.  Para a professora, é preciso analisar e identificar individualmente nas instituições de ensino as possibilidades de resolver internamente as questões de saúde mental e em que medida necessitam de participação das redes de apoio de grupos da área. “A escola precisa dialogar com outras áreas da sociedade e fazer parcerias para que possa ser acolhida em suas demandas e encontre saídas”. Desta forma, a escola pode criar propostas pedagógicas para dar suporte às dificuldades e apoiar não só os estudantes, mas também os funcionários da instituição.

O trabalho preventivo não deve ser de um dia. “Cursos são uma forma de complementar, aprofundar e atualizar as possibilidades de compreensão e intervenção de fenômenos, mas é só no dia a dia com um trabalho contínuo que a transformação pode acontecer”, destaca Marilene. “Precisamos repensar essas práticas da escola para que ela construa relações mais saudáveis e interessantes não só para a convivência, mas para um processo de aprendizagem”. É com presença, informações e investimento em um espaço de interlocução contínuo que possibilitem maiores chances de acolhimento.

Para Luciana, quando se insere essa discussão no cotidiano de uma escola, ela vai perdendo o caráter de desconhecido, tratado de forma superficial e estereotipada. As crianças vão aprender aos poucos que estão num espaço de confiança e colocar em palavras seus sentimentos. “Quando a gente consegue oferecer minimamente esse espaço, vai se instaurando uma cultura de paz porque se aprende que um sentimento pode ser expresso de forma saudável, sem precisar usar a violência”, diz.

Para que o tema esteja sempre em vista no planejamento, Luciana cita a importância do próprio projeto político-pedagógico (PPP) da escola contemplar questões relacionadas à saúde mental. Abrir um espaço de diálogo também colabora para a construção de valores como respeito à diversidade e outras formas de dar voz aos alunos, como a criação de organizações estudantis e ações que levem a uma gestão democrática.

Apesar das ações individuais das escolas e em parcerias com grupos sejam de extrema relevância para o debate de saúde mental, é fundamental que as políticas públicas também atuem sobre o problema. “Melhoria da qualidade da escola não é gasto. Quanto mais investirmos em espaços em que as pessoas possam viver melhor, mais estaremos investindo na vida, na Educação, na saúde, na cultura”, diz Marilene.

É encarando o problema da saúde mental e compreendendo seu próprio potencial para esse debate que a escola estará mais pronta para trabalhar a prevenção e promoção da saúde mental, estar presente, identificar casos que necessitam de apoio emocional ou de acompanhamento psicológico, criar uma comunidade consciente sobre sua própria saúde mental para buscar ajuda quando necessário e também mais empática sobre as aflições alheias. E assim, consequentemente, é possível construir um ambiente mais harmonioso, com um bom clima escolar em que todos realmente se importem com o que acontece em sua comunidade. É a esperança para que casos como os de Suzano não se perpetuem.

Fonte: Nova Escola

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