Domingo, 24 de novembro de 2024 Login
Um grupo de pesquisadores defende que a Covid-19 passe a ser classificada como uma febre viral trombótica, ao invés de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). O artigo foi publicado na revista científica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e assinado por dez especialistas que atuam em seis instituições de assistência médica e pesquisa científica brasileiras.
Isso porque, ao contrário do que se pensava no começo da pandemia, novos estudos mostram que a Covid-19 vai muito além dos quadros pulmonares. E que o novo coronavírus seria o primeiro agente reconhecido por aumentar a formação de coágulos que podem obstruir a circulação.
“Encontramos evidências irrefutáveis na literatura atual de que a Covid-19 é a primeira doença viral que pode ser marcada como uma febre trombótica viral. Este manuscrito aponta que SARS CoV-2 vai muito além da pneumonia ou SARS. As infecções por Covid-19 promovem interações notáveis entre o endotélio, a coagulação e a resposta imunológica, construindo um fundo capaz de promover uma “tempestade trombótica”, muito mais do que uma “tempestade de citocinas”. A importância de uma protease viral chamada protease principal (Mpro) é destacada como um componente-chave para a replicação do SARS-CoV-2 na célula hospedeira. Uma análise mais aprofundada dessa protease e de sua importância no sistema de coagulação também é discutida pela primeira vez, principalmente por sua semelhança com as moléculas de trombina e fator Xa, como recentemente apontado por comparação estrutural de estruturas cristalográficas”, diz um dos trechos do estudo.
Novos levantamentos comprovam o estudo, dizem cientistas
De acordo com o artigo, na Holanda, um levantamento identificou complicações ligadas à formação excessiva de coágulos em 16% dos pacientes em unidades de terapia intensiva, incluindo casos de embolia pulmonar, acidente vascular cerebral (AVC) e trombose venosa.
Já em uma pesquisa francesa, o índice passou de 40%. Ademais, em indivíduos que vieram a óbito devido à infecção, análises constataram danos significativos ao endotélio (tecido que reveste os vasos sanguíneos). As pesquisas indicam ainda que o novo coronavírus infecta as células endoteliais e que a inflamação do tecido favorece um estado de hipercoagulação.
“Em pacientes internados, vemos manifestações trombóticas a despeito da prática clínica usual de tromboprofilaxia. Também há descrição de eventos tromboembólicos após a alta hospitalar, e a formação excessiva de coágulos é observada nas análises histopatológicas em casos de óbito por Covid-19”, afirmou o coordenador da UTI do Hospital Pró-Cardíaco e primeiro autor do artigo, Rubens Costa Filho, em entrevista ao portal da Fiocruz.
Importância da classificação
Para o grupo de pesquisadores brasileiros, a classificação de febre viral trombótica reflete o avanço no conhecimento sobre o agravo e pode contribuir para o manejo clínico dos casos e as pesquisas científicas.
“Essa definição coloca em evidência a necessidade de medidas para monitorar e tratar as alterações da coagulação e aponta para questões que precisam ser esclarecidas, como a identificação de biomarcadores de gravidade, que possam ser utilizados para orientar as condutas terapêuticas”, disse o pesquisador do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental do IOC e autor sênior do estudo, José Paulo Gagliardi Leite, também em entrevista ao portal da Fiocruz.
A mudança de classificação não impactaria os atuais sistemas de monitoramento que tanto contribuem para a definição de estratégias públicas de saúde, segundo os autores do estudo.
“A SRAG é uma nomenclatura utilizada para retratar um acometimento clínico inespecífico, uma vez que pode abranger uma série de manifestações. Já a febre viral trombótica, representaria uma síndrome específica. Essa definição é fundamental na área da Saúde”, ressaltou Costa Filho.
Os cientistas ressaltam que a Covid-19 é uma doença complexa, com manifestações em diversos órgãos, do cérebro ao aparelho gastrointestinal. A classificação de febre viral trombótica baseia-se no impacto comprovado da infecção sobre a coagulação sanguínea, que traz alto risco de letalidade. No entanto, outras características da enfermidade não devem ser esquecidas, como o grave comprometimento pulmonar.
Fonte: PEBMED
Autora: Úrsula Neves
Jornalista formada pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), pós-graduada em Comunicação com o Mercado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e em Gestão Estratégica da Comunicação pelo Instituto de Gestão e Comunicação (IGEC/FACHA)