Quinta-feira, 17 de abril de 2025 Login
Este artigo propõe uma reflexão técnico-clínica sobre a conduta de mulheres que, motivadas por sentimentos de inveja, se envolvem em comportamentos repetitivos de perseguição, mimetismo e tentativa de invasão simbólica do espaço de outras mulheres. A análise se apoia em teorias psicodinâmicas, com base nas contribuições de Melanie Klein, Otto Kernberg e Heinz Kohut, considerando aspectos do narcisismo patológico, falhas no desenvolvimento do self e a constituição psíquica da inveja destrutiva. O objetivo é compreender como tais comportamentos, embora direcionados a uma "vítima", tendem a gerar prejuízos mais profundos à própria autora das ações.
1. Introdução
Em consultório, é crescente o relato de mulheres que se sentem perseguidas, vigiadas ou mesmo emocionalmente invadidas por outras mulheres que manifestam, direta ou indiretamente, comportamentos de competição, rivalidade e imitação. Embora socialmente subestimadas, essas vivências geram sofrimento psíquico legítimo, e merecem atenção sob a ótica da psicologia clínica. Este artigo propõe-se a analisar a origem desse comportamento, seus impactos e os caminhos terapêuticos possíveis.
2. Fundamentação Teórica: A inveja como estrutura psíquica
A inveja é um sentimento primitivo. Segundo Melanie Klein (1957), manifesta-se ainda na fase oral do desenvolvimento infantil, quando o bebê experimenta o desejo destrutivo de possuir ou anular o outro seio da mãe, percebido como fonte de prazer inacessível. Essa inveja arcaica, quando não integrada de forma saudável, pode se fixar na estrutura da personalidade adulta, tornando-se um eixo silencioso de comportamentos autossabotadores.
Heinz Kohut (1971) reforça essa ideia ao abordar o narcisismo patológico, em que o indivíduo, incapaz de consolidar um senso de self coeso, passa a buscar validação e identidade por meio do outro. Assim, ao invés de construir-se de forma autêntica, passa a viver em constante comparação, buscando espelhar ou substituir a identidade alheia.
Otto Kernberg (1975) aponta que, em casos mais graves, o comportamento invasivo pode estar associado a transtornos de personalidade do espectro borderline ou narcisista, nos quais há comprometimento significativo das funções empáticas, da identidade e da regulação emocional.
3. A perseguição simbólica: características clínicas
A mulher que persegue outra, repete suas escolhas, frequenta os mesmos lugares e busca proximidade com seus vínculos afetivos, não está apenas agindo por acaso. Há, por trás dessas ações, uma tentativa inconsciente de se apropriar daquilo que, a seus olhos, representa sucesso, segurança e identidade — atributos que ela acredita não possuir.
Essas atitudes, que se iniciam de forma sutil, muitas vezes escapam à crítica do superego. A inveja passa a operar como força estruturante, mobilizando sentimentos de hostilidade e inferioridade mal elaborados. A perseguição, neste contexto, não se trata apenas de competição, mas de uma tentativa de anulação simbólica da outra — uma forma disfarçada de dizer: “se eu não posso ser você, ao menos quero impedir que você seja livremente quem é.”
4. Impactos emocionais e psíquicos para quem persegue
Embora possa parecer que a perseguidora esteja no controle, é ela quem mais adoece. Sua energia psíquica é drenada para sustentar um comportamento artificial e repetitivo, alimentado por frustrações profundas e baixa autoestima. Com o tempo, perde-se a capacidade de conexão com o próprio desejo, a própria vocação e os vínculos verdadeiros. Esse padrão, se crônico, impede o florescimento pessoal, afasta relações saudáveis e intensifica a angústia existencial. A ausência de identidade própria promove sensação de vazio, que só se intensifica quanto mais se tenta “tomar” aquilo que é do outro.
5. Caminhos terapêuticos
A psicoterapia é o espaço seguro onde essas dinâmicas inconscientes podem ser identificadas, nomeadas e ressignificadas. Trabalhar o fortalecimento do ego, o reconhecimento de padrões destrutivos e o resgate da própria identidade são passos fundamentais no processo terapêutico. O primeiro movimento de mudança, no entanto, exige consciência. Enquanto a mulher permanecer na ilusão de que sua felicidade depende de ocupar o lugar do outro, continuará prisioneira de um roteiro que não lhe pertence — e que nunca a levará à realização verdadeira.
6. Conclusão
A mulher que persegue outra por inveja não rouba — ela se perde. Ao tentar destruir ou imitar o caminho do outro, destrói silenciosamente o seu. É necessário promover uma escuta qualificada, que acolha ambas as partes envolvidas: quem sofre a invasão e quem a pratica. Porque ambas, em algum grau, são vítimas de uma sociedade que ainda ensina mulheres a competirem, em vez de se reconhecerem.
Reconstruir a própria narrativa é o único caminho para viver com dignidade psíquica.
Referências Bibliográficas
KLEIN, M. Inveja e Gratidão e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1957.
KOHUT, H. The Analysis of the Self. New York: International Universities Press, 1971.
KERNBERG, O. Borderline Conditions and Pathological Narcissism. New York: Jason Aronson, 1975.
WINNICOTT, D. W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
LOWEN, A. O Narcisismo: A negação do verdadeiro self. São Paulo: Summus, 1991.
Dra. Helena Antunes da Costa
Psicóloga Clínica, Mestre e Doutora em Comportamento Humano