Neste setembro amarelo, mês de prevenção ao suicídio, nos debruçamos muito sobre as técnicas, instrumentos e tratamentos ou intervenções para o cuidado de nossos pacientes. Contudo, não voltamos muito para o olhar sobre o cuidado entre nós, profissionais da área da saúde, de modo geral e, em especial, da classe médica.
Não é segredo que os riscos associados à profissão são alarmantes no que se diz respeito à saúde mental. Atuar como médico implica em riscos básicos: burnout, depressão e ansiedade, taxa de suicídio (seis vezes maior que na população em geral), abuso de substâncias e mortalidade cardiovascular.
Neste ano, circula pelas redes sociais dados coletados pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) sobre um estudo largo acerca das causas de mortalidade médica ao longo de uma década.7
Os dados são bastante alarmantes porque são resultados diretos de hábitos e estilo de vida que estão associados à profissão. A taxa de suicídio é alarmante. São 3,5 morteas a cada 10.000 médicos. Já para a população em geral é de 3,8 a cada 100.000. Ou seja, um risco relativo quatro vezes maior de mortes por suicídio entre médicos do que na população em geral.
Considerando todas as causas, o estudo que revelou a idade média de mortalidade foi de 69,1 anos para os homens e 59,2 anos para as mulheres. Ou seja, mulheres morrem cerca de uma década antes. As causas de mortalidade que lideram os grupos são doenças cardiovasculares e neoplasias. Homens morrem mais do primeiro grupo de doenças e mulheres do segundo.
Outro dado bastante alarmante é a mortalidade por causas externas. Acidentes, homicídios e suicídios são causas de mortalidade comportada nesse agrupamento. Embora a taxa de acidentes seja bem baixa, as mortalidades por causas externas são 18,6 a cada 10 mil médicos enquanto para população são de 8 para cada 10 mil habitantes do estado. Ou seja, uma causa de mortalidade que é cerca de 2 vezes maior entre médicos do que na população em geral.
De mesmo modo, quando observamos a estratificação das causas dentro do grupo mortalidade por causas externas identificamos um padrão que também chama atenção. De modo inverso ao que se vê na população em geral, 21% das causas de mortalidade estão associadas ao suicídio entre mulheres, enquanto entre os homens apenas 18%.
Além de a mortalidade entre as mulheres reduzir a expectativa de vida em 10 anos em relação aos homens, também morre-se mais em decorrência de adoecimentos de saúde mental e com maior número de suicídios. Quando se estratifica as causas de mortalidade e faixa etária vemos ainda um cenário preocupante em relação às mulheres. As causas externas, e entre elas o suicídio, é responsável por 40% das mortes em mulheres na faixa etária de maior produtividade.
O que os autores mais questionam neste estudo é o papel do estilo de vida como agente principal para esse cenário. É inegável que o estilo de vida que os profissionais médicos levam de modo em geral está bem distante do padrão a ser considerado saudável.
Esse panorama recai sobre as mulheres de maneira a intensificar muito um cenário brutal de múltiplas jornadas de trabalho. Os autores ainda refletem sobre as estratégias de enfrentamento (coping) para essas múltiplas jornadas, com acentuação ainda maior de hábitos disfuncionais e uso nocivo de substâncias, agravando mais os adoecimentos de modo em geral.
A reflexão a ser levada é que neste setembro amarelo vemos que as barreiras que criamos entre pacientes e nós é uma linha sutilmente frágil. Tão sutil que o peso que atribuímos ao cuidado com o outro: “tenha uma vida saudável, coma bem, faça exercícios físicos”, é nada mais do que um imperativo a todos nós enquanto grupo de risco para adoecimento.
No mês de se prevenir o suicídio, somos todos pacientes. Não há barreiras, não somos quem cuida, necessitamos de cuidado.
Fonte: Dr. Marcelo Gobbo Jr. - Residente de Medicina da Família e Comunidade pela Fundação Pio XII – Hospital do Câncer de Barretos ⦁ Membro da American Academy of Family Physicians e da World Organization of Family Doctors