Domingo, 24 de novembro de 2024 Login
Você já reparou que o Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) coloca a hashtag #PraCegoVer nas postagens com imagens? Esse projeto foi criado em 2012 pela professora de Braille Patrícia Silva de Jesus, que gosta de ser identificada como Patrícia Braille em homenagem ao sistema de leitura para pessoas com deficiência visual. Desde então, as redes sociais deram um passo à frente para a acessibilidade dos cegos. O #PraCegoVer possibilita a audiodescrição para a compreensão de imagens, transformando elementos visuais em palavras. É também uma maneira de chamar atenção para que os videntes enxerguem as pessoas com deficiência visual e reconheçam as suas necessidades.
Marcas multinacionais e páginas de serviços públicos já aderiram à ferramenta. Além disso, o projeto foi indicado pelo Itamaraty para concorrer ao Prêmio UNESCO-Hamad Bin Isa Al Khalifa-2017. No Ceará, o #PraCegoVer está previsto pela lei municipal nº 10.668/2018, que institui a prática nas redes sociais da Prefeitura de Fortaleza e seus órgãos e pela Câmara Municipal de Fortaleza.
Em homenagem ao Dia Nacional do Cego (13 de dezembro), o CRP-PR entrevistou a criadora da hashtag para explicar como ela funciona, quais são os impactos para os cegos e como as pessoas podem começar a usar! Confira a entrevista:
CRP-PR: Como surgiu e foi desenvolvida a ideia do projeto? Por que se chama “pra cego ver”?
Patrícia: O projeto #PraCegoVer foi criado por mim e surgiu da minha necessidade de me comunicar, por meio de imagens, com os cegos em minhas redes sociais. Quando aderi ao Facebook, eles me adicionaram, então eu não me permitia postar fotos sem descrever, do mesmo modo como fazia em meu blog, o Patricitudes. Pela passagem do aniversário do criador do Sistema Braille, Louis Braille, criei em 4 de janeiro de 2012 um evento virtual no Facebook chamado “Pra Cego Ver”, convocando as pessoas a descrever para um cego. Foi um sucesso! Em seguida criei a página, para não deixar a ideia cair no esquecimento. Em resumo: “enxergar” a existência de pessoas com deficiência nas redes sociais foi minha motivação.
#PraCegoVer carrega em si o princípio de que a cegueira às vezes está nos olhos de quem enxerga. Ele existe para o cego que não enxerga a imagem e para o vidente que não enxerga o cego. É uma provocação, um chamamento para as pessoas se enxergarem mais, saírem de suas zonas de conforto e perceberem que podem fazer acessibilidade, mesmo que seja uma breve descrição de uma imagem na Internet. Como esta hashtag tem uma função educativa e inclusiva, ela existe para impactar, para despertar o olhar de quem lê e se pergunta: “Ué, pra que raios esta descrição está aqui?”. Então vai pesquisar mais um pouco e… Zaz! Mais um vidente deixou de ser “cego”.
#PraCegoVer carrega em si o princípio de que a cegueira às vezes está nos olhos de quem enxerga. Ele existe para o cego que não enxerga a imagem e para o vidente que não enxerga o cego.
Patrícia Silva de Jesus, conhecida como Patrícia Braille, criadora do #PraCegoVer
Como você conseguiu a colaboração de mais pessoas na utilização da hashtag?
A adesão desse número expressivo de pessoas e empresas se deve a dois principais motivos: às pessoas com deficiência visual que, satisfeitas pelo modelo proposto por mim, passaram a exigir a mesma postura de outros usuários das redes sociais e também à minha persistência, pois foi bastante desafiador ir de inbox em inbox sugerindo às empresas, constituídas de pessoas leigas em inclusão e acessibilidade, a adoção da prática da descrição de imagens, quando nem os profissionais de acessibilidade e audiodescrição faziam isso em seus conteúdos.
Desde o início do projeto até hoje, o que você pôde aprender? Algo mudou?
Aprendi muito, aprendo todos os dias. A qualidade das descrições, com meus estudos ininterruptos, vai melhorando, mas existe uma outra aprendizagem também que é sobre a honestidade das pessoas: muita gente anunciou o meu projeto como ideia própria. Outros, ao serem elogiados pela “autoria” do projeto, simplesmente aceitavam o elogio, sem nenhum pudor. Se eu chamava no inbox para esclarecer o “equívoco”, me acusavam de ser pouco altruísta, esperavam de mim uma postura servil, pois, já que trabalho com acessibilidade, deveria ser um tipo de sacerdotisa que não se importa em ser lesada. As pessoas ainda querem lucrar com a ideia do outro, mas o pior mesmo é querer usufruir da deficiência como moeda. Isso me entristece, mas sigo firme.
De que forma o projeto impactou a acessibilidade das redes sociais? Qual o retorno dos cegos?
Algumas pessoas, amedrontadas pelo politicamente correto, censuram o uso da palavra “cego” na hashtag. Acham ofensivo, mas nunca perguntaram às pessoas cegas se isso as ofende, e seguramente não ofende. Mas também recebo mensagens de videntes elogiando e pedindo ajuda para começarem a descrever também. Tem sido muito bom.
Meus amigos videntes acharam muito esquisito eu “perder tempo” descrevendo imagens que eles já estavam vendo. Eles não entendiam que era para os cegos que eu fazia aquela ação e eu tive que explicar muitas vezes. As pessoas cegas acharam fabuloso e me escrevem coisas bonitas como “obrigada por me permitir ver por meio de seus olhos”. Eu fico muito grata.
Algumas pessoas, amedrontadas pelo politicamente correto, censuram o uso da palavra "cego" na hashtag. Acham ofensivo, mas nunca perguntaram às pessoas cegas se isso as ofende, e seguramente não ofende.
O projeto cumpriu as suas expectativas pessoais?
O projeto foi além do que eu pretendia: sensibilizar meu círculo imediato de amigos. Aprendi com isso que se eu faço apenas a minha parte, aquilo que me cabe, o improvável se torna palpável. Eu pretendia alcançar os mais próximos e vejam: países como Portugal, Paraguai e Austrália já registram a hashtag em suas publicações. Agora existe uma maior consciência sobre a urgência da acessibilidade nas redes sociais e tenho recebido muitos convites para ministrar treinamentos e palestras. Recentemente treinei as equipes de marketing da Revlon, O Boticário, Lee Stafford, Quem disse Berenice?. Umas das maiores conquistas foi #PraCegoVer ter virado lei no Ceará (lei municipal nº 10.668/2018) e também ter recebido indicação do Itamaraty para concorrer ao Prêmio UNESCO-Hamad Bin Isa Al Khalifa-2017.
O que é preciso fazer para usar o #PraCegoVer?
Recomendo que seja feita a leitura do post fixo na página do Facebook do projeto e as leituras recomendadas, e que se busque aprimorar os conhecimentos em cursos, oficinas e outras fontes de leitura.
O que ainda precisa ser feito para promover a acessibilidade nas mídias digitais?
O mundo digital é infinito em possibilidades de interação. Ele reflete bem o ideal de inclusão, de mundo sem fronteira, de encurtamento de distâncias, mas apenas se houver acessibilidade a internet terá cumprido seu papel. Acessibilidade não é acessório, é item de primeira necessidade. Falta consciência. Nem todas as pessoas conhecem a audiodescrição/descrição de imagem. Muitas, atormentadas pelo politicamente correto, consideram a hashtag pejorativa, sem ao menos perguntarem aos cegos o que eles acham. O acesso às imagens não é tudo no oferecimento de acessibilidade às pessoas cegas, pois mudança de consciência não se dá por decreto. Falta muito para sensibilizar a sociedade. Mas falta menos do que ontem. Cada um vai doando o que pode. Esta é uma das minhas doações.
Fonte: Conselho Regional de Psicologia do Paraná