Sábado, 23 de novembro de 2024 Login
Durante todo o ano passado foram 116 mortes na 12ª RS. Em três meses de 2021 o número pulou para 259 mortes
Lucas Heitor Almeida Papa Manzano é enfermeiro especialista em cuidados paliativos e atualmente trabalha na enfermaria/UTI Covid do Hospital Cemil, referência no atendimento da doença para toda a região. Ele está na linha de frente na luta contra a doença do novo coronavírus – Covid-19, desde o início da Pandemia.
Desolado com o aumento assustador do número de óbitos nos últimos três meses, o enfermeiro postou um desabafo nas suas redes sociais, nesta quinta-feira (25), primeiro dia de vigor de novas medidas restritivas de combate à doença. Neste mesmo dia, mais de 100 denúncias de desrespeito às medidas foram registradas.
Durante todo o ano passado forram registrados 116 mortes por Covid-19 nos 21 municípios da 12ª Regional de Saúde de Umuarama. Em menos de três meses de 2021, mais 143 mortes foram contadas, um aumento de 123%. Mais de 250 vidas foram perdidas, apesar de todos os esforços de Lucas e demais profissionais de saúde que lutam diariamente nos hospitais de referência da Macrorregião, que já estão sem leitos.
“Cada óbito é uma faca de corte afiado que enfiam em nossas costas”, comparou o enfermeiro. Lucas disse que se apaixonou por cuidados paliativos ainda na faculdade, nos estágios com idosos e se especializou na área. “Foi aí que descobri porque tinha feito enfermagem: para cuidar de pessoas e não de doenças”, disse o enfermeiro em entrevista.
Em quatro anos no exercício da profissão, Lucas nunca imaginou presenciar tantos óbitos causados por uma única doença. No dia 2 de janeiro a equipe do Hospital Cemil comunicou a morte de uma mulher de 86 anos; era 59ª vítima somente da cidade de Umuarama. Ontem, uma mulher de 40 anos que morreu no Uopeccan, foi a 117ª vítima somente da cidade e a 259ª da região.
O enfermeiro diz que se sente desolado, especialmente porque muita gente ainda não acredita e não coopera com as medidas preventivas. Para ele, “cada ‘ser humano’ que segue desrespeitando o isolamento social e as recomendações para prevenção do Covid é responsável por uma facada. Que sangra na alma de 300 mil brasileiros”.
Confira o relato completo do enfermeiro Lucas, que conta em detalhes o evento que virou rotina no trabalho dos profissionais de saúde que estão na Guerra contra a Covid-19.
“A equipe sinaliza mais uma PCR, todo mundo corre pro leito, puxa o carrinho de emergência, iniciam manobra de RCP, enquanto isso aspiro mais uma adrenalina. E ali, mais uma vida humana se despedirá.
Troca de clico a cada dois minutos, checa o pulso, volta a massagem. De três em três minutos uma nova adrenalina é aspirada. A fisioterapia tenta manobrar mas já é irreversível. Os minutos passam rápido demais pra quem está morrendo. E na mesma proporção, lento pra quem está perdendo.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
40 minutos depois mais uma vida se finda. Mais uma família perdeu a esperança e ganhou um luto. Nos deixaram uma mãe, e a gente infelizmente, depois de fazer o possível e o impossível só vamos poder devolver um saco preto, fosco, lacrado, com algumas iniciais, com data e hora da morte.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Faltam despedidas. Sobram lágrimas. Falta responsabilidade social e governamental. Sobram críticas. Sobra achismo. Falta ciência. Sobra exaustão. Sobra cobrança. Faltam leitos e insumos, mas sobra negação. Até quando?⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Cada óbito é uma faca de corte afiado que enfiam em nossas costas. Corte doloroso que não permite sutura. Cada “ser humano” que segue desrespeitando o isolamento social e as recomendações para prevenção do Covid é responsável por uma facada. Que sangra na alma de 300 mil brasileiros.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Meus colegas médicos estão cansados de atestar óbitos, e eu já estou cansado de escrever nomes em eletrocardiogramas sem batimentos. Longos. Contínuos. Mortos. E a culpa pode ser sua.”
Lucas Heitor Almeida Papa Manzano – Enfermeiro.
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Reportagem
Rosi Rodrigues
Jornalista