Sábado, 8 de março de 2025 Login
O Carnaval é celebrado como a maior festa popular do Brasil, mas poucos se dão conta do seu custo real. Para além do brilho, das cores e do entusiasmo dos foliões, essa celebração tem um preço alto, que não se mede apenas em cifras, mas em vidas perdidas.
Acompanho, ano após ano, o rastro de tragédias que essa festividade deixa. Enquanto as ruas são tomadas por bloquinhos e desfiles, os corredores dos hospitais são tomados por vítimas de acidentes, agressões, overdoses, intoxicações alcoólicas, afogamentos e uma infinidade de tragédias que poderiam ser evitadas.
Os números são alarmantes. No Carnaval de 2024, a Polícia Rodoviária Federal registrou 1.223 acidentes nas rodovias federais, resultando em 85 mortes. Isso representa um aumento de 10% no número de acidentes e cinco mortes a mais em comparação ao ano anterior. Em hospitais de emergência, os atendimentos dobram ou até triplicam. São jovens inconscientes devido ao uso abusivo de álcool e drogas, vítimas de violência sexual, crianças que se perdem na multidão, feridos em brigas que começaram por um empurrão ou um olhar atravessado. O que começa como festa termina em desespero para famílias que jamais imaginavam que a folia teria um preço tão alto.
E se engana quem pensa que o prejuízo se restringe ao sofrimento humano. O custo financeiro para o sistema público de saúde e segurança é imenso.
O Carnaval movimenta bilhões na economia, mas será que realmente compensa?
Em 2023, somente as prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo destinaram juntas mais de R$ 100 milhões para bancar a festa. Mas esse não é o único gasto. O aumento da demanda por serviços médicos exige reforço nas equipes de urgência e emergência, contratação extra de profissionais, mais ambulâncias, mais leitos, mais insumos. Em meio a um cenário onde hospitais públicos já operam no limite, o Carnaval se torna um agravante da crise da saúde.
Outro custo invisível, mas não menos impactante, é a necessidade de campanhas de conscientização. O Ministério da Saúde investe milhões para alertar sobre riscos que se repetem todos os anos: uso de preservativos para evitar infecções sexualmente transmissíveis, consumo moderado de álcool, hidratação para evitar colapsos em meio ao calor escaldante. As autoridades de segurança reforçam os alertas sobre furtos, assaltos e desaparecimentos, enquanto bancos de sangue fazem apelos urgentes para doações, pois os estoques se esgotam rapidamente com o aumento das ocorrências de emergência.
Os excessos do Carnaval não se limitam às ruas. O corpo sente. Exaustão, desidratação, intoxicação alimentar, queimaduras solares, viroses e doenças sexualmente transmissíveis disparam nesse período. A falta de sono e a desidratação afetam o sistema imunológico, tornando as pessoas mais vulneráveis a infecções. O organismo, exausto, paga a conta do abuso. No trânsito, motoristas alcoolizados colocam não apenas suas vidas, mas as de inocentes em risco. E, como de costume, os hospitais são o último refúgio para tentar consertar o irreparável.
Diante de tudo isso, surgem as perguntas que poucos fazem:
O Carnaval realmente compensa?
Quantas mortes são aceitáveis para justificar a realização da festa?
Quantos milhões a mais precisam ser investidos em segurança e saúde para que o país continue sustentando um evento que, ao final, deixa uma conta amarga de perdas humanas e financeiras?
É possível fazer um carnaval com saúde e segurança?
A cultura é valiosa, a economia precisa girar, mas a que preço?
Essas reflexões são necessárias porque, ano após ano, vemos as mesmas tragédias se repetirem. Perdemos as contas de quantos jovens chegaram inconscientes ao Pronto-Socorro depois de uma noite de exageros, quantas famílias foram destruídas por um acidente causado por um motorista embriagado, quantas mães receberam a pior notícia de suas vidas porque um filho saiu para curtir o Carnaval e nunca mais voltou para casa.
Não se trata de ser contra a festa, mas de questionar o preço que pagamos por ela – um preço que não se mede apenas em dinheiro, mas em sofrimento e vidas perdidas.
SOBRE A AUTORA: Dra. Doralice Avanguard é médica com quase três décadas de experiência em Medicina de Emergência, atuando na linha de frente de Prontos-Socorros e ensinando novas gerações de médicos como preceptora de Programas de Residência Médica. Com ampla vivência no atendimento a pacientes críticos, testemunhou de perto as consequências dos excessos e da imprudência, tornando-se uma voz ativa na conscientização sobre segurança, saúde pública e prevenção de tragédias evitáveis. Além de sua atuação clínica, é uma escritora perspicaz, que transforma sua experiência em reflexões impactantes sobre os desafios da Medicina e da vida.