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Para o juiz Takaschima, há uma grande dificuldade de implantação do depoimento especial, mas isso não pode ser motiva para retardar a sua adoção.

Foto: Divulgação

CNJ analisa escuta judicial de crianças e adolescentes vítimas de violência

Publicado em 17/01/2019 às 13:33

Dentro de uma sala de audiência na comarca de Valparaíso de Goiás, no entorno de Brasília, Raul*, um adolescente de 14 anos, miúdo para a idade, tem muita dificuldade para contar o estupro que sofreu há dois anos, junto com um amigo. Sob os olhares da juíza, promotor, advogados, servidores e de sua própria mãe, o garoto tenta responder à pergunta insistente da advogada de defesa sobre o que fizeram com ele naquele dia infeliz, mas não consegue ir além de um vago “aquelas coisas”. 

Esse tipo de depoimento à Justiça de crianças e adolescentes vítimas de violência ou abuso sexual é comum em comarcas em que ainda não foi possível a implantação do depoimento especial, uma técnica humanizada para escuta judicial de menores que se torna obrigatória a partir de 5 de abril, pela Lei n. 13.431/2017.

Com objetivo de mapear e traçar um diagnóstico do depoimento especial nas varas de Infância e Juventude de todo o Brasil, a diretora do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ, Maria Tereza Sadek, e o juiz auxiliar da Presidência do CNJ, Alexandre Takaschima, têm viajado pelo país para pesquisar técnicas e os espaços utilizados no Judiciário na tomada desse tipo de depoimentos.

Mesmo antes da lei que o tornou obrigatório, juízes já adotavam o depoimento especial com base na Recomendação n. 33, de 2010, do CNJ. No entanto, na maioria dos Estados, a técnica ainda está restrita às capitais. Para o juiz Takaschima, há uma grande dificuldade de implantação do depoimento especial, mas isso não pode ser motiva para retardar a sua adoção.

Com informações obtidas pelos  representantes do CNJ , será elaborado um questionário a ser  encaminhado a todos os tribunais sobre os procedimentos para a tomada de depoimento das crianças e adolescentes. “O mapeamento vai permitir que o CNJ monitore a implantação do depoimento especial e estabeleça padrões mínimos de qualidade, respeitando a autonomia dos tribunais”, disse Takaschima. 

Além disso, o CNJ vai oferecer um curso gratuito sobre depoimento especial para magistrados e servidores, por meio do Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Poder Judiciário (CEAJud). No depoimento especial, a criança é ouvida em uma sala separada por um psicólogo, Pedagogo ou Assistente Social e a conversa é transmitida ao vivo para a sala de audiência. O juiz e defensores dirigem-se a um destes profissionais para que ele possa fazer as perguntas da forma menos agressiva e mais amigável possível.

Estrutura insuficiente

A maior dificuldade para a implantação do depoimento especial nas comarcas do interior é com a contratação de um psicólogo. É que nem sempre é possível para o tribunal estadual dispor de recursos para cobrir estas despesas em todas as cidades. Fora isso, é preciso destinar uma sala, geralmente com decoração infantil, e prover os equipamentos para gravação e teleconferência. 

Para a juíza Letícia Silva Carneiro de Oliveira Ribeiro, titular da Vara de Infância, Juventude, Família e Sucessões de Valparaíso, que recebeu a visita da equipe do CNJ, a presença de um psicólogo auxiliaria muito o trabalho de tomar o depoimento das crianças. Em Valparaíso, cidade do entorno de Brasília, há ainda outro problema: a comarca não conta com defensoria pública.

De acordo com a juíza Letícia, 90% dos processos de sua vara são de pessoas de baixa renda que não têm condições de pagar um advogado. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade tem uma população de 132 mil habitantes – 32% deles vivem com rendimento mensal de até meio salário mínimo. 

“Eu mesma tenho que ligar para advogados que aceitem assumir as causas dessas pessoas, o que, às vezes, demora até um ano”, diz a magistrada.

 “Aquelas coisas”.

O caso do adolescente Raul é um dos 12.527 processos da vara de Valparaíso. Há cerca de dois anos, o menino estava sentado na porta de sua casa junto a um amigo, quando o vizinho, à época com 17 anos, rendeu-os com uma arma. Os meninos foram levados para dentro de um barraco, que ficava no lote da família de Raul. Lá dentro, tentaram gritar por socorro para a irmã de Raul, que estava estudando dentro de casa, mas o rapaz ameaçou matar os pais deles, caso o fizessem.

No dia seguinte, o agressor apareceu na escola, na janela da sala de Raul. Ele ficou  transtornado e conversou com os professores a respeito, o que fez o caso vir à tona.

Réu se apresentou em audiência na Vara de Infância, Juventude, Família e Sucessões de Valparaíso (GO). FOTO: Luiz Silveira/Agência CNJ

Na audiência a primeira a ser interrogada é a mãe de Raul, que não consegue falar claramente sobre o que ocorreu naquela tarde, enquanto ela estava trabalhando e acreditava que o menino estava apenas brincando em casa. “Quando eu vou conversar com ele sobre isso, ele só chora”, ela diz.

Visivelmente constrangido, o menino responde às perguntas da juíza, do promotor e da advogada de defesa do réu. Esta última pergunta por duas vezes o que o rapaz teria feito com os meninos dentro do barraco, mas Raul não consegue dizer nada além de “aquelas coisas”, abaixa os olhos e se cala. 

Em seguida, mãe e filho deixam a sala e o réu entra. No entanto, tudo o que acontece é ter de assinar um termo de audiência, já que a advogada pediu mais prazo para concluir sua defesa. A sentença ainda não foi dada, e vítima e réu são liberados do fórum sem nenhuma resposta para o crime. Como ainda são vizinhos, é possível que tomem o mesmo ônibus para chegarem em casa, num bairro humilde e violento de Valparaíso. *O nome foi trocado para preservar a identidade.

Fonte: http://www.cnj.jus.br

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