Quinta-feira, 21 de novembro de 2024 Login
Nos últimos anos o mercado de saúde vem passando por um grande processo de fusões e aquisições de empresas, com hospitais, laboratórios, indústrias farmacêuticas, healthtechs e operadoras protagonizando parte expressiva dessas movimentações. No entanto, um nicho específico andava um pouco de fora das conversas: o atendimento aos pacientes com problemas mais graves de saúde mental, que demandam leitos de internação ou até mesmo estabelecimentos próprios como hospitais psiquiátricos.
Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) apontam que o Brasil tem pouco mais de 29 mil leitos de psiquiatria, sendo que 13 mil deles são do setor privado — e o número vem diminuindo ano a ano. Parte dessa redução passa pela Reforma Psiquiátrica e pelo estigma, mas com uma nova visão e uma demanda crescente por causa do aumento de transtornos mentais, investidores e fundos de investimentos começam a ver oportunidades para novos negócios.
Alguns exemplos são a Elibré Saúde, healthtech paulistana encabeçada por Mauricio Barbosa, fundador da Bionexo, e uma nova rede de hospitais psiquiátricos que vem sendo construída pela Teman Capital, que já conta com a Clínica da Gávea, do Rio de Janeiro, e o Instituto São José, em Santa Catarina — além de outras negociações que já estão em andamento.
De acordo com Fernando Kunzel, sócio fundador na L6 Capital Partners, veremos um movimento de novos negócios em hospitais psiquiátricos surgindo nessa área, em especial na formação de redes através de aquisições nos próximos anos. Contudo, deve ser uma ação mais realizada por fundos de private equity que investem em empresas de capital fechado. Outros grupos além do Teman Capital já se movimentam para entrar nesse mercado, que movimenta cerca de 3 bilhões de reais por ano.
“Ainda é embrionário, não vamos ver no curto e médio prazos os grandes grupos como Fleury, Rede D’Or e Dasa entrando, porque é difícil de lidar e ter esses pacientes internados têm um risco muito alto ao dono do hospital. Provavelmente vamos ver algo mais nichado”, aposta Kunzel.
Um levantamento da empresa com base em dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aponta um total de 174 mil internações psiquiátricas no Brasil em 2020 no setor privado. Com o impacto da pandemia na saúde mental, esse número deve aumentar nos próximos anos, elevando a demanda por leitos.
Novo movimento de hospitais psiquiátricos
Boa parte da influência para esses novos negócios vem dos Estados Unidos, onde há um forte mercado para a saúde mental, com cases de sucessos que podem ter inspirado investidores brasileiros. Em 2021, a LifeStance Health Group, uma provedora de assistência psiquiátrica, foi avaliada em 7,5 bilhões de dólares em sua estreia em Nasdaq, bolsa de valores americana.
A rede é formada por 600 centros de atendimento em 32 estados, que contam com cerca de 5,4 mil funcionários. Ela trabalha com os mais variados públicos e serviços, que incluem terapia online, aplicação de medicamentos, atendimento a dependentes químicos, e claro, internações.
No Brasil, especialmente no sistema público houve uma discussão muito forte sobre a função das instituições psiquiátricas, que eram chamadas de manicômios ou hospícios, e no passado serviram para a exclusão de pessoas da sociedade que eram consideradas indesejáveis, além de utilizar métodos violentos e desumanizados.
“Muitos excessos foram cometidos. A Reforma Psiquiátrica surgiu justamente para conter esses excessos. O ponto é que existia muito estigma em cima da internação psiquiátrica e a desconstrução desses estigmas começou a vilanizar a internação psiquiátrica. Entendemos que isso afastou muita gente do tratamento e também corroborou com fechamento de muitos leitos”, explica o psiquiatra Henrique Paiva, CEO da Elibré Saúde.
Principalmente em um cenário epidemiológico como o do Brasil, com alta prevalência de transtornos do humor e de personalidade, doenças mentais e dependência de drogas lícitas e ilícitas, existem casos em que a internação pode ser indicada, como quando coloca a vida do próprio paciente em risco. Ter uma equipe multidisciplinar auxiliando no tratamento contribui com a melhora do quadro e, com uma abordagem humanizada e estrutura adequada, pode fazer a diferença.
Elibré
Lançada em dezembro de 2022, a Elibré Saúde é um desses novos negócios que querem modificar o mercado e ganhar espaço na psiquiatria. Focado no público premium paulistano, a empresa recebeu um investimento de R$ 7 milhões e acredita no potencial da tecnologia e das melhores práticas para ganhar espaço e mostrar que é possível fazer algo disruptivo e humanizado.
“A ideia da Elibré é justamente mostrar que esse estigma de internação psiquiátrica não existe mais. Os pacientes chegam aqui com aquela preocupação, mas quando entram, entendem o tratamento e conhecem a nossa proposta de valor, eles saem com os melhores depoimentos possíveis. Internação não necessariamente é uma restrição de liberdade. Em alguns momentos pode ser necessário, mas tem que ser terapêutico e ajudar o paciente”, explica Henrique Paiva.
Localizada na Granja Viana, Zona Sul de São Paulo, foi fundada por um time de profissionais reconhecidos, que conta com o fundador da Bionexo, Mauricio Barbosa, o ex-CEO do Hospital Infantil Sabará, Ary Ribeiro, o psiquiatra Carlos Cais, especialista em prevenção de suicídio, e Solange Plebani, que foi head global em inovação de software e negócios de informática clínica conectada da Philips.
Atualmente conta com 59 funcionários que atuam em 16 leitos, no cuidado de pacientes internados com quadros de dependência química – a maioria dependente de medicamentos –, transtornos de humor como depressão e transtorno bipolar, transtornos de ansiedade e transtornos de personalidade. No momento só atua com internações particulares e, apesar de terem sido procuradas, ainda não oferecem atendimento via plano de saúde.
De acordo com o CEO, Henrique Paiva, parte do diferencial está em criar uma parceria com os psiquiatras e psicólogos que já atuam com aqueles pacientes, levando em consideração o histórico, o tratamento que já está sendo realizado e possíveis medicamentos que já fazem uso:
“Hoje o raciocínio da Elibré é que não pode ser restrito. A gente vai para antes e pós-internação. Temos a equipe de coordenação de cuidados que assume esses cuidados e entendemos que mesmo no pós-alta, quando o paciente está bem, sem sintomas de transtornos mentais, é importante uma reabilitação para manter a funcionalidade do paciente adequada, ampliando o repertório social e cultural”.
Apesar de não ter foco em fusões e aquisições de outros hospitais psiquiátricos, Paiva aponta que há planos para expansão, não só de leitos mas também no número de transtornos atendidos e serviços oferecidos, com a proposta de hospital-dia. Também há previsão para atender outros públicos além de adultos, criando linhas de cuidado para psiquiatria na infância, adolescência e geriátrica.
Rede de psiquiatria
Por sua vez, a Teman Capital tem trabalho para construir uma rede de hospitais e clínicas psiquiátricas em movimento inspirado no que aconteceu nos Estados Unidos. O investimento anunciado para tal foi de 500 milhões de reais e já conta com duas unidades, somando 400 leitos.
A Clínica da Gávea, do Rio de Janeiro, e o Instituto São José, em Santa Catarina, foram as primeiras compras para a formação da rede, mas uma terceira aquisição deve ser anunciada em breve e outras negociações estão sendo avaliadas, sendo o primeiro grande investimento de um fundo de private equity na área da psiquiatria nesse novo movimento.
Segundo Fernando Kunzel, da L6 Capital Partners, a possibilidade de formar redes passa pela estrutura das empresas tradicionais: “Esse é um mercado onde famílias tocam esses hospitais e geralmente tem algum tipo de problema de sucessão, em que os filhos às vezes não querem carregar o negócio. Até porque os fundadores desses hospitais, na sua grande maioria, eram ou são psiquiatras”.
A cobertura de internação psiquiátrica por parte dos planos de saúde pode contribuir com a formação dessas redes de hospitais, já que as operadoras representam a maior parte dos pagamentos de gastos com saúde e são as maiores fontes de recursos. Ainda existe a possibilidade de criar parcerias mais próximas, com propostas de novos modelos de remuneração.
Kunzel acredita que a formação dessas redes pode levar ainda algum tempo, já que é necessário fazer aquisição por aquisição e ainda é um movimento novo. Contudo, assim como nas fusões e aquisições em hospitais gerais e laboratórios, o ganho maior estará quando esses grupos conseguirem ganhar escala e eficiência.
“Na hora que conseguirem consolidar o mercado vão ter um poder de barganha, em termos de melhorar o preço, muito mais que os hospitais familiares, que aceitam qualquer valor por uma internação. Será um outro tema a ser tratado junto às operadoras”, acredita o sócio da L6.
Hospitais tradicionais
Mesmo que os novos negócios chamem atenção de investidores e do setor e exista uma carência por leitos, hospitais tradicionais que possuem estrutura sólida já contam com seu espaço no mercado. É o caso, por exemplo, do Hospital Santa Mônica, de São Paulo, fundado em 1969 e que hoje conta com 270 leitos e uma equipe multidisciplinar de mais de 300 funcionários.
“Se você pegar o Brasil inteiro tem uma quantidade bem aquém de hospitais psiquiátricos para oferecer um tratamento de qualidade ou um tratamento mais consistente. Hoje a gente vê dispersando bastante pelo mercado as comunidades terapêuticas e clínicas, mas não tem esse preparo e essa estrutura que um hospital psiquiátrico tem para tratamento”, afirma Anderson Lazinho, diretor de operações do Hospital Santa Mônica.
Tanto os hospitais tradicionais quanto os novos negócios possuem uma estrutura diferente de um hospital geral convencional. No geral ficam em regiões arborizadas, possuem academia, quartos que parecem de hotéis, quadras poliesportivas, espaços de convivência, entre outros diferenciais. No caso do Santa Mônica, são 83 mil metros quadrados, sendo que 50 mil deles de área verde. A abertura às visitas familiares também é diferente nesses hospitais, sendo importante para o tratamento e confiança dos pacientes.
De acordo com Lazinho, há espaço para novos negócios sérios no mercado de hospitais psiquiátricos, mas alerta que a psiquiatria não é nicho simples de lidar. No entanto, ele acredita que o surgimento de empresas não impacta diretamente o trabalho desenvolvido no Santa Mônica, que hoje realiza cerca de 300 internações ao mês e atende 40 operadoras de saúde.
O diretor de operações ainda aponta que essa é uma área em que hospitais diferentes não devem ser considerados como concorrentes, mas que busquem trabalhar em conjunto e desenvolver parcerias, compartilhando práticas e conhecimentos. Ainda, reforça que existe uma carência de profissionais especializados, e por isso essa troca é valiosa e interessante:
“O mercado de saúde mental precisa de pessoas que estejam engajadas em ajudar pessoas e lidar com esse tipo de mercado não é para qualquer um. A tendência é cada vez mais essas questões de saúde mental e de dependência química dentro da sociedade se acentuar, mas o mercado precisa de trabalho sério, adequado e com profissionais qualificados”.
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