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Há uma tendência, mesmo em muitos profissionais da área, a fazer vista grossa para os limites da técnica hipnótica. A hipnose pode até ser útil em alguns contextos. Mas não deixar claro quais são os seus limites é um procedimento enganoso.

Foto: Divulgação

Hipnose: Quando é fraude?

Publicado em 13/03/2020 às 12:16
A prática da hipnose ganhou repercussão nacional após o participante do reality show Big Brother Brasil 20, Pyong Lee realizar uma sessão coletiva onde teria hipnotizado outros participantes. Para muitos especialistas, foi um verdadeiro desserviço. De acordo com o Conselho Federal de Psicologia, O transe hipnótico é usado para fatos traumáticos, como acidentes e sequestros. O recurso pode ser usado como benefício e, em alguns casos, a pessoa não precisa nem usar medicação para superar o trauma. O psicólogo, o médico, o odontólogo, por exemplo, são impossibilitados de usar a hipnose com caráter fútil e sensacionalista, ou que cause algum constrangimento para as pessoas — explicou o psicólogo. Embora no Brasil não haja uma regulamentação para a prática, a hipnose não deve ser utilizada, senão por profissionais de saúde habilitados e para auxiliar tratamentos de saúde ou mentais. 
 
O psicólogo Adriano Facioli, colunista do site RedePSI, relaciona algumas outras situações em que a hipnose pode ser considerada fraude. Confira: 
 
1. Difundir a hipnose como uma panacéia.
 
Divulgar listas com os inumeráveis benefícios da hipnose, tenham estas listas algum fundamento ou não. Particularmente desconfio das pesquisas vinculadas por sociedades de hipnose. Sinto no ar o cheiro de procedimentos que não dizem respeito ao espírito científico. Pesquisador trabalhando somente para provar a efetividade de sua hipótese não está fazendo ciência. Como sugere a filosofia da ciência: deve também tentar provar que sua hipótese é falsa. Deve possuir a capacidade para levar em conta os dois lados da realidade. Deve estar aberto às duas hipóteses. A hipnose, apesar do razoável volume de pesquisas existentes (e muitas, senão a maioria, repletas de confusões conceituais; portanto suspeitas, na minha concepção), ainda não é um fato consolidado, por diversas razões. As quais pude abordar em detalhe em meu livro (Hipnose: fato ou fraude?).
 
2. Exagerar sua eficácia. Não falar de seus limites (do que ela é capaz e do que não é).
 
Este segundo ponto é complementar ao primeiro (senão for o mesmo). Há uma tendência, mesmo em muitos profissionais da área, a fazer vista grossa para os limites da técnica hipnótica. A hipnose pode até ser útil em alguns contextos. Mas não deixar claro quais são os seus limites é um procedimento enganoso.
 
3. Não citar pesquisas e experimentos que demonstram a sua ineficácia em alguns contextos.
 
E estas pesquisas existem. Procuremos, por exemplo, só para começar, pelas pesquisas de Theodore Xenophon Barber e Nicholas Spanos. Há uma ausência enorme de autocrítica entre muitos dos que fazem uso da hipnose. Há uma tendência à mistificação, ao exagero. A hipnose é um mito de grandes proporções. E veja bem, não estou dizendo que ela não existe. Quando digo que “a hipnose é um mito”, estou me remetendo à idéia de que há ainda muito a ser conhecido, de que ainda é tratada como algo fantástico, fabuloso. Ou seja, é um tema envolto em mal-entendidos e mistificações. Quando dizemos que algo é um mito, estamos também dizendo que já não se sabe mais o que é verdade e o que é mentira sobre o assunto. Não tenho dúvidas, a hipnose é um mito alojado dentro da própria ciência. Ainda sabemos pouca coisa:
 
“Mais de um século de pesquisa em hipnose não levou a provas conspícuas da existência de um "estado hipnótico", porém há evidências de que comportamentos "dramáticos" associados à hipnose podem ser executados por voluntários não hipnotizados que não mostram evidências de terem estado em um "estado de transe". Comportamentos hipnóticos seriam mais condizentes com representações dirigidas a metas (goal-directed enactments) e indivíduos altamente hipnotizáveis seriam aqueles capazes de responder a interações interpessoais sutis e ao mesmo tempo se mostrar mais motivados para cumprir com demandas sociais de situações de hipnose para se apresentar como "bons" indivíduos. Sugestões para levantar o braço seriam na verdade sugestões para usar habilidades cognitivas para se comportar como se o braço estivesse levantando por si mesmo; sugestões para amnésia, significariam não apenas falha na lembrança da informação em questão, mas definir-se como tendo esquecido o material e, portanto, criar o cenário contextual que inclua não apenas o comportamento desencadeado, mas a experiência subjetiva apropriada” (Negro-Junior, Palladino-Negro e Louzã, 1999).
 
4. Realizar demonstrações de palco com recursos de ilusionismo e depois não esclarecer isto ao público, mostrando onde houve truques (o que ocorre com certa freqüência entre hipnotistas de palco).
 
5. Utilizar pré e pós-sugestão, por meio delas produzir espetáculo no palco, e depois não explicar como isto foi feito, sob o risco de tudo parecer mágica ou fruto dos poderes excepcionais do hipnotista ou de uma técnica somente acessível a iniciados ou prodígios.
 
6. Esconder os fundamentos técnicos básicos, camuflados em um arsenal pretensamente infinito de técnicas, somente para poder vender mais e mais cursos.
 
Ressalto que os ítens de 4 a 6 ainda serão talvez melhor contemplados, em um próximo artigo, futuramente.
 
Atualmente há dois grandes ramos de pesquisas ou teorias sobre a hipnose: teorias de estado e de não-estado. As primeiras postulam que a hipnose é um estado e uma técnica especial. As teorias de não-estado, por sua vez, postulam que não há nada de especial ou inédito tanto na técnica hipnótica quanto nos estados que ela produz. Há também visões intermediárias, as quais vislumbram a possibilidade de estados especiais (alterações reais de consciência), os quais são atingidos por técnicas simples ou já conhecidas há muito pela humanidade, principalmente no plano religioso. Nesta concepção, a hipnose seria somente o modo criado pela Medicina para produzir alterações de consciência há muito já obtidas, por exemplo, pelas religiões.
 
Estou escrevendo um novo livro e à procura de uma editora interessada em publicá-lo. Trata-se de um livro de ficção. É composto por contos, baseados em casos reais, onde narro experiências bizarras e absurdas com a utilização da hipnose. Ou seja, as ironias da utilização da hipnose e seu submundo. Cito diversos exemplos de charlatanismo, pseudociência, casos em que houve manifestações inusitadas, “alterações de consciência” e “incorporações” (ou seja lá o que isso possa de fato ser). Enfim trata-se de um livro que tece reflexões críticas sobre a hipnose e as técnicas de indução, mas de modo narrativo e divertido. Enquanto não encontro uma boa proposta editorial, postarei alguns trechos aqui mesmo no Redepsi.
 
Referências:
FACIOLI, A.M. (2006). Hipnose: fato ou fraude? Teoria e técnica em uma abordagem psicodinâmica e evidências experimentais. Campinas: Átomo.
 
NEGRO JUNIOR, Paulo Jacomo, PALLADINO-NEGRO, Paula e LOUZA, Mario Rodrigues. Dissociação e transtornos dissociativos: modelos teóricos. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 1999, vol. 21, no. 4 [citado 2007-06-11], pp. 239-248. Disponível em: . ISSN 1516-4446.
 
FONTE: www.redepsi.com.br
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