Sábado, 23 de novembro de 2024 Login
Assistir a um filme na televisão comendo pipoca com a família e poucos amigos foi um lazer que o brasileiro conseguiu manter em tempos de pandemia. Mas esse prazer, ou pelo menos parte dele, pode estar ameaçado.
Um estudo do IQSC (Instituto de Química de São Carlos), da USP, aponta que a ingestão do diacetil, um composto contido em alimentos como a pipoca de micro-ondas e responsável por dar o aroma e o gosto amanteigado ao alimento traz novos indícios de que, em excesso, poderia ser nocivo à saúde – ao menos de ratos e em uso prolongado. Os cientistas identificaram proteínas associadas ao Alzheimer no cérebro de ratos que consumiram durante 90 dias seguidos o composto.
“Das 48 proteínas cerebrais que avaliamos após a exposição dos animais ao produto, 46 sofreram algum tipo de desregulação ou modificação em sua estrutura por conta do consumo prolongado do composto. Durante as análises, nós identificamos o aumento da concentração de proteínas beta-amiloides”, explica Lucas Ximenes, doutorando do IQSC e autor da pesquisa.
Apesar de os mecanismos da doença ainda não estarem bem esclarecidos, essas proteínas normalmente são encontradas em pacientes com Alzheimer.
Como próximos passos do estudo, os pesquisadores do IQSC pretendem realizar novos testes com um número maior de animais para ampliar o entendimento a respeito desses resultados preliminares.
"Claro que comer esporadicamente certos alimentos não tem problema, porém alguns prazeres em excesso podem fazer mal. Mas, por mais que a gente coma o produto, nós temos muito menos contato com o diacetil do que os trabalhadores que lidam com o composto ou até o inalam diariamente nas fábricas”, exemplifica Ximenes.
Análises
Segundo o cientista, o diacetil afetou tanto o cérebro de ratos machos como o de fêmeas. Algumas regiões do órgão foram mais comprometidas, como o hipotálamo.
“Até então, não se sabia exatamente os possíveis efeitos e modificações que o composto poderia gerar no cérebro de organismos vivos. Existem poucos estudos nesse sentido, ainda é um universo pouco explorado. Além disso, alguns trabalhos utilizam quantidades absurdas do composto, até 50 vezes maiores que a nossa, o que facilita o aparecimento de problemas. O que nós fizemos foi utilizar concentrações de diacetil mais próximas do que seria um consumo diário normal”, revela Ximenes, que é orientado pelo professor Emanuel Carrilho, do IQSC, e coorientado pelo professor Nilson Assunção, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O cérebro dos ratos foi avaliado com a ajuda de dois equipamentos. Um deles, chamado espectrômetro de massas, faz a leitura e gera mapas de calor do órgão, formando uma espécie de impressão digital do cérebro.
Com isso, é possível observar como e em quais regiões certas proteínas e o diacetil estão distribuídos. Em uma segunda etapa, outro aparelho, chamado cromatógrafo, ajuda a determinar se essas proteínas sofreram alterações, como o aumento de sua concentração ou alguma mudança estrutural preocupante.
Os testes foram realizados com um total de 12 ratos — metade do grupo de controle tomou placebo e a outra metade ingeriu o diacetil.
Amplamente empregado nos mais variados ramos da indústria, o diacetil ganhou destaque no setor alimentício, principalmente por seu uso como conservante e flavorizante (substância que confere sabor e aroma).
Encontrado naturalmente na composição de cafés, cervejas, chocolates, leites e iogurtes, o diacetil é utilizado na pipoca de micro-ondas como um aditivo, em concentrações maiores.
Apesar de seu consumo ser aprovado pelas agências reguladoras, a exposição prolongada ao produto poderia ser prejudicial à saúde e, por estar presente no cotidiano da população, diversos estudos buscam compreender a influência do composto em organismos vivos e como ele pode alterar funções biológicas.
O estudo contou com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Fonte: com informações do Jornal da USP