Terça-feira, 3 de dezembro de 2024 Login
Quem vê a mulher alegre e de riso fácil, de bem com a vida e esbanjando bom humor, nem imagina as dores com que Ana Paula Cardoso, 39 anos, é obrigada a conviver, desde 2014, quando foi diagnosticada com câncer pela primeira vez.
Paula Gibbi, como é conhecida, é dotada de um otimismo que chama a atenção. Foi a alegria que carrega e que distribui por onde passa que levou ao convite para participar de diversas ações da Campanha Outubro Rosa, realizada pelo Hospital do Câncer – Uopeccan, unidades de Cascavel e de Umuarama.
Como parte das ações ela deu entrevista contando sua história, participou de sessões de fotos, fez a leitura de poema encorajador, e ofereceu flores às mulheres acometidas pelo câncer.
Uma história de coragem
Sua alegria, de fato, emociona quem ouve sua história. O câncer de mama, descoberto em 2014, levou à mastectomia total (retirada da mama). Na época ainda morava em Canaã do Norte (MT), e fazia tratamento em Cuiabá, para onde ia de micro-ônibus para fazer quimioterapia, procedimento que provocou queda de cabelo e a deixou muito debilitada.
Para não pensar na doença, Paula, que é educadora física, continuou trabalhando numa academia, onde além das atividades normais, dava aula de zumba. “Deus é tão bom, que nessa fase eu descansava bem pouco, estava sempre interagindo, trabalhando. Era uma forma de eu ocupar a cabeça e não ficar só pensando no que estava passando", conta.
Em 2017, sentindo muitas dores no corpo, Paula passou a tomar injeções semanais e depois diárias para amenizar. As dores eram consequência de outro câncer, que demorou a ser diagnosticado. Em novembro daquele ano, os atletas da academia onde Paula trabalhava, iriam participar de um evento esportivo. Seu irmão José Roberto Cardoso, o Beto, de apenas 40 anos, faleceu, vítima de enfarte fulminante durante a corrida.
À beira da depressão pela perda, em dezembro ela veio para o Paraná, para junto de sua família, sem fazer o exame programado. A essas alturas, agravadas pela longa viagem, as dores eram mais intensas. "Era muita dor, eu já não conseguia fazer nada, praticamente arrastava as pernas”, lembra.
No início de 2018, já no Hospital do Câncer de Umuarama, ela retomou os exames, sendo constatado câncer nos ossos, com metástase na coluna lombar e cervical. Teve início as radioterapias e Paula foi submetida à cirurgia para retirada dos ovários, para antecipar a menopausa. “Os medicamentos só fariam efeito estando na menopausa", conta.
Batalhas paralelas
Os medicamentos mensais que Paula precisa usar são uma luta à parte. Ela entrou na justiça para receber do SUS uma injeção, que custa mais de R$10 mil. "Estamos aguardando, porque eu só tenho essa opção... ou voltar para a quimioterapia até meu corpo aguentar”, diz, resignada.
Para os medicamentos diários, exames e vitaminas que toma para repor o que seu corpo deixou de produzir, ela conta com a ajuda da família, dos amigos e da comunidade. “A galera está sempre se mobilizando, especialmente em Icaraíma, onde meus pais moram, mas em Umuarama também fazem rifa, porque são gastos altos com tratamentos alternativos. Sou muito grata a todos”, afirma.
Apesar da limitação das dores, na medida do possível, além de trabalhar fora, Paula tem suas rotinas de trabalho em casa, o que faz com grande dificuldade. "Meus ossos se tornaram muito frágeis. Não consigo cortar uma carne, ou abrir uma garrafa. Tem dias que parece que vou cair de dor, mas fecho os olhos, respiro, engulo o medo e vou em frente, vou pra cima, cheia de esperança que isso tudo vai passar", anima-se.
Mais um baque
Em 2020 foi detectado o terceiro câncer, já em estado avançado, dessa vez na axila, do mesmo lado onde já havia sido feita a mastectomia. "Foi bem triste, tive que voltar a fazer quimioterapia por sete meses, e tive que parar, há dois meses, por ordem médica, porque estava me fazendo mal, sangrando a gengiva, nariz e dando falta de ar", relata. “Quando o médico disse que teria de parar, fiquei contente, mas depois caí na realidade e vi que isso não era bom, porque eu estava medicada o tempo todo, já tinha usado todos os inibidores, e mesmo assim tinha surgido o câncer da axila", constata.
O tumor da axila não regrediu com os sete meses de quimioterapia, então Paula retoma o tratamento quando se agrava, e suspende quando efeitos colaterais aumentam.
Tratamento alternativo
Em paralelo ao acompanhamento oncológico convencional, Paula faz um tratamento alternativo, em Maringá, com um nutrólogo, uma nutricionista e um educador físico, todos especialistas em câncer. “Esses três profissionais souberam do meu caso, se uniram e me ajudam. É o que me dá qualidade de vida para conseguir passar por tudo”, resume.
O educador físico passa treinos customizados. Até a caminhada de Paula é monitorada. "Ele monitora minha frequência cardíaca e só posso caminhar depois de passar todas as informações, para ser definido a distância que poderei percorrer”, destaca.
A alimentação também é bem regrada. “Muitas coisas eu não posso mais comer e tomo as vitaminas que o nutrólogo indica, para repor vitaminas que meu corpo não produz mais. E é graças a esse monitoramento e o acompanhamento médico que eu vou levando meus dias”, diz.
Dando vazão à paixão
Para ocupar a cabeça e se sustentar financeiramente, Paula Gibbi trabalha numa barbearia, onde se dedica à outra paixão: a tatuagem. Ali se empenha nos dons artísticos. "Deus me deu o dom da tatuagem, do desenho e hoje estou atuando mais nisso, que é algo que me desafia a criar, a fazer a alegria das pessoas, a deixá-las mais bonitas, a se mostrarem como gostam, e isso me deixa feliz”, desabafa.
No auge das dores, até tatuar era difícil. Ela mal conseguia segurar o equipamento. "Mas hoje, graças a Deus, com a evolução do tratamento, está mais fácil”, assegura.
O local de trabalho é outra prova de que a animação diante da vida conta muito positivamente a seu favor. "Nessa barbearia tem pessoas enviadas por Deus, que me acolheram, me ajudam demais, são compreensivos. Eu ia com mais frequência, mas o medo na pandemia me limitou. Atendo enquanto tem cliente. Não fico o tempo todo lá, também porque a última quimioterapia me abateu bastante, me deixou bem fraca e fiquei com bastante medo de expor ao vírus”, reitera. “Mas tenho enorme gratidão por poder contar com todos e por ter esse espaço para trabalhar, mostrar meu talento, e me ajudar nas despesas”, elenca.
Porto seguro
O lado emocional Paula consegue estabilizar com presenças queridas. "Meu pai, minha mãe, minha filha são meu porto seguro. Meu pai também foi diagnosticado com câncer de próstata há quatro anos, e a cirurgia deixou sequelas. Minha mãe enfrentou vários problemas de saúde nesse tempo todo. E apesar disso, eles estão sempre ao meu lado, lutam, choram e riem comigo”, relata.
E a maior segurança é a que vem de Deus. “Minha fé é o que me sustenta em pé”, diz, emocionada. "A fé move minha família, é o pilar de tudo isso, é o que coloca um sorriso no meu rosto todos os dias. É a fé que tira o medo que sinto, porque dentro de mim não tem só essa pessoa forte que as pessoas veem, tem alguém de carne e osso, que sente muito medo. E todos os dias Deus me dá um ânimo tão grande, que sei que vou vencer. Ele pode operar um milagre e Ele vai me deixar de pé, pra eu viver tudo que tenho pra viver, todo o meu propósito", diz, confiante.
De 8 para 80
A vida de Paula passou por uma mudança que ela costuma dizer que foi de 8 para 80. "Pra quem ficava dentro de uma academia das 6 às 22 horas, como instrutora física, dando aula de zumba, mudou completamente. É muito diferente do que eu vivia. Hoje não posso correr, não posso pular, nem pegar peso, muito menos cair. Não posso fazer movimentos repetitivos ou bruscos, só caminhada e movimentos bem leves, ou tenho consequências árduas. Então, tive que parar de fazer muita coisa que eu amava, com muita dor no coração”, aponta.
A fé inabalável de que tudo vai dar certo permite até que ela consiga brincar com a rotina de idas e vindas ao hospital. Nas sessões de quimioterapia, Paula diz que está indo ao SPA, sempre publicando fotos desses momentos em suas redes sociais. "Eu brinco que estou indo para uma tarde de beleza no SPA. As agulhas são meu coquetel e as enfermeiras, as garçonetes que me servem as doses de cura”, conta sorridente.
Esse bom ânimo de Paula encanta as pessoas que a cercam e contagia outros pacientes que passam por dor semelhante.
A vida é linda
A lição que Paula Gibbi tira disse tudo? “A vida é linda. Vejo pessoas cheias de saúde reclamando da vida. Podem correr, andar de bicicleta, têm tudo nas mãos para ser feliz. Cada momento é único, está em nossas mãos fazer acontecer, fazer o dia mais bonito. E sempre digo para as pessoas, que valorizem seus momentos. Eu, apesar de toda a limitação, tento fazer com que cada dia de vida seja especial. Tento levar essa positividade, fazendo-as enxergar o lado bom das coisas e guardar a melhor parte, a melhor versão da vida”, destaca.
Para Paula, todo dia que amanhece é uma nova oportunidade, uma esperança que nasce, uma oportunidade de mudança de atitude, de pensamento, mudança de vida. “Eu peço a Deus que me faça ser luz, de alguma forma na vida das pessoas. Se antes da doença eu já prezava a vida, valorizava, e via tudo bonito, hoje eu vejo ainda mais lindo. Vejo quão valiosas são as coisas simples, a nossa saúde, e acho que melhorei ainda mais meu modo de enxergar, de pensar, de agir”, afirma.
A lição de vida é de profunda simplicidade. "Quero ser feliz, dentro do que Deus me permite, dentro de minhas limitações. Quero poder fazer o bem para as pessoas e espero ser lembrada por mostrar que tudo é possível, por mais que a gente ache que é impossível, por mais difícil que pareça o dia, tudo pode mudar”, finaliza Paula Gibbi, cheia de esperança.
Alguns momentos de Paula Gibbi, fazendo o que ama: viver!
Fotos: arquivo pessoal Paula Gibbi