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Os resultados permitiram concluir que os transtornos do espectro da esquizofrenia apresentaram um risco de morte por Covid-19 significativamente maior
Foto: Divulgação
Ao longo dos últimos meses muita pesquisa tem sido feita sobre a Covid-19 e, aos poucos, a compreensão sobre as características da doença e seu agente causador se tornam mais claras. Por exemplo, já há alguns fatores bem estabelecidos relacionados à gravidade dos quadros, como o sexo masculino, idade (mais velhos), possuir diabetes ou ter alguma doença cardíaca. Outros fatores que vêm sendo estudados são etnia e aspectos socioeconômicos. Neste artigo publicado em janeiro de 2021 no JAMA Psychiatry o que os autores querem avaliar é se os transtornos mentais também podem estar relacionados a casos mais graves de Covid-19 e a um maior risco de óbito.
Foi elaborado um estudo de coorte retrospectiva composto por uma amostra consecutiva de pacientes com mais de 18 anos com quadro clínico de síndrome respiratória aguda grave causada pelo SARS-Cov-2 confirmada laboratorialmente. A pesquisa se deu junto ao sistema eletrônico de centros de saúde relacionados à Universidade de Nova Iorque, incluindo 4 hospitais e clínicas de atendimento ambulatorial espalhadas pela cidade, entre os dias 3 de março e 31 de maio de 2020.
Todos os pacientes com Covid-19 tiveram seus prontuários eletrônicos avaliados, tendo sido realizada uma busca por história de transtorno mental através do código das doenças, conforme a CID-10. Os pacientes que apresentaram diagnóstico prévio de transtornos mentais foram, então, divididos nos 3 grupos: transtornos do espectro da esquizofrenia, transtornos ansiosos e do humor. O grupo controle não possuía história de transtorno mental em seus registros eletrônicos, mas poderiam ter outros transtornos não classificados pelos avaliadores, como déficit intelectivo, transtorno do desenvolvimento, transtorno por uso de substâncias, transtornos mentais orgânicos e transtornos psicóticos secundários a uma causa neurológica ou outra condição clínica.
Foram, então, feitas 2 análises: uma procurou pela presença de transtorno mental em qualquer fase anterior da vida, enquanto outra procurou especificamente no período entre janeiro de 2019 e março de 2020 (por exemplo, quadros mais recentes). Além disso foram avaliadas características sociodemográficas e clínicas potencialmente relacionadas, como sexo, idade, presença de comorbidades, etc. Foi realizado um seguimento de 45 dias após a confirmação laboratorial (até a data final de 15 de julho de 2020), sendo esperados como desfecho morte ou encaminhamento para um local de tratamento paliativo.
Do total de indivíduos testados (cerca de 31 mil), após os critérios de exclusão, 7.348 testaram positivo para SARS-Cov-2 (27,7%), sendo a maioria do sexo feminino (53%) com uma média de idade de 54 anos. Desse grupo, 1% possuía algum tipo de diagnóstico dentro do espectro da esquizofrenia, 4,9% de transtornos ansiosos e 7,7% de transtorno de humor. A probabilidade do teste ser positivo em cada grupo era de 28,2% para o grupo controle, 22,3% no grupo do espectro da esquizofrenia, 24,1% entre os com transtornos ansiosos e 25,4% para aqueles com transtorno de humor. Desse total, 11,8% faleceram ou foram encaminhados para tratamentos paliativos após 45 dias desde a data de realização do teste.
Foram realizados os devidos ajustes e, após isso, observou-se que os transtornos do espectro da esquizofrenia eram associados de forma significativa à mortalidade, diferente dos transtornos de humor e de ansiedade. Resultados semelhantes foram encontrados na análise secundária, que envolvia diagnósticos mais recentes (entre 2019 e 2020). Ou seja, os transtornos do espectro da esquizofrenia se associaram a uma maior probabilidade de morte em 45 dias de seguimento. O risco de mortalidade neste espectro de apresentações ligadas à esquizofrenia apresentou uma grande força de associação durante a análise, perdendo apenas para a idade diante de todos os outros fatores de risco avaliados. Estes pacientes tiveram 2,7 vezes mais chances de morrer do que o grupo controle.
Embora se esperasse uma associação positiva baseada em dados da literatura, a magnitude da associação foi inesperada, segundo o estudo. É possível que outras comorbidades que não foram medidas tenham contribuído para isso, embora tenham sido feitos ajustes para fatores já bem estabelecidos. Ainda assim, é possível que dificuldades no acesso aos cuidados de saúde ou atraso na procura por tratamento possam ter contribuído para desfechos piores. Outra possibilidade é a de que estes pacientes tenham características biológicas que justifiquem uma maior suscetibilidade aos quadros graves, apesar do mecanismo responsável por isso ainda não ter sido esclarecido.
Aqui há 3 possibilidades: alterações no complexo de histocompatibilidade, alterações na imunidade celular e alterações relacionadas às citocinas inflamatórias em pacientes com esquizofrenia. Vamos avaliar cada uma dessas possibilidades:
A análise primária não encontrou associação entre os transtornos de humor e ansiosos com a mortalidade. Contudo, a análise secundária (quadros mais recentes) inicialmente apresentou uma associação entre transtornos do humor e morte após o ajuste para variáveis sociodemográficas, mas que, contudo, deixou de ser estatisticamente significativa após o controle das variáveis clínicas. Estes resultados sugerem que o risco de desenvolver a forma grave ou fatal da doença pode variar conforme o diagnóstico e que talvez haja um risco diferencial entre quadros agudos ou estáveis em pacientes com transtornos episódicos.
Este é trabalho relevante porque possui uma amostra grande e com diversidade de suas características demográficas. Além disso, o tempo de seguimento foi adequado para a verificação do desfecho, bem como as análises permitiram concluir que os transtornos mentais não eram uma consequência direta nem pela infecção por Covid-19 e nem pelo impacto da pandemia propriamente dita. No entanto, a interpretação de seus resultados ainda deve considerar os seguintes pontos: 1. Esses resultados se referem a um contexto específico e é necessária cautela nas suas generalizações; 2. Este trabalho coincidiu com um período de pico de casos de Covid-19 nessa parte dos EUA, fazendo com que a testagem de casos ficasse restrita aos pacientes sintomáticos ou com maior risco; 3. Não foram avaliados os usos de medicações psicotrópicas e nem seus possíveis efeitos, quer deletérios, quer protetores; 4. Pacientes psiquiátricos podem procurar menos ajuda médica por vários fatores, incluindo o estigma de suas condições ou por sintomas típicos dos seus quadros que podem cursar com certo grau de isolamento; 5. A acurácia dos transtornos mentais pode não ser válida para todos os pacientes com Covid-19, ainda mais considerando que diferentes transtornos foram colocados num mesmo grupo, fazendo com que não fosse possível avaliar as diferenças de risco de cada categoria; 6. Este trabalho foi limitado aos doentes que tinham acesso aos serviços de saúde mencionados.
Os resultados permitiram concluir que os transtornos do espectro da esquizofrenia apresentaram um risco de morte por Covid-19 significativamente maior. A princípio este risco também seria maior para pacientes com diagnóstico de transtorno de humor recente, apesar de esse resultado não ser mais estatisticamente significativo após o ajuste para fatores de risco clínicos. Já os transtornos ansiosos não apresentaram qualquer correlação com a gravidade da Covid-19. Este tipo de trabalho é muito importante para que possamos compreender quem são os pacientes mais suscetíveis e com maior risco de apresentarem eventos desfavoráveis decorrentes da infecção pelo SARS-Cov-2. Dessa forma, podemos monitorá-los melhor, fazer intervenções mais adequadas e nos balizar quanto às tomadas de decisão.
Autor(a): Paula Benevenuto Hartmann
Psiquiatra pela UFF ⦁ Graduação em Medicina pela UFF
Referências bibliográficas:
Fonte: PEBMED