Quinta-feira, 21 de novembro de 2024 Login
Brincar de boneca pode ser uma oportunidade única para as crianças praticarem interações sociais importantes
Foto: Divulgação
Método
Os pesquisadores investigaram os correlatos neurais únicos da brincadeira de faz de conta (na forma de boneca) em relação a outras brincadeiras (jogos de tablet). Foram coletados dados de espectroscopia de infravermelho próximo funcional (functional near infrared spectroscopy – fNIRS) de 33 crianças de 4 a 8 anos de idade enquanto elas se envolviam em várias formas de brincar, sozinhas ou com um parceiro social (assistente de pesquisa). As crianças nessa faixa etária tinham idade suficiente para seguir instruções, brincar sozinhas e manter a atenção durante a tarefa, mas eram jovens o suficiente para se envolver em brincadeiras naturais nesses ambientes. Em contraste com as brincadeiras de boneca, foram escolhidos jogos de tablets que permitiam brincadeiras criativas e abertas (sem regras ou objetivos definidos) adequados para a faixa etária. Nos jogos escolhidos, as crianças cortavam e estilizavam o cabelo ou construíam cidades. Quatro conjuntos diferentes de bonecas foram usadas: família, carreiras, propriedade e animais. Eles eram compostos por vários conjuntos de jogos da Barbie (Mattel Co., El Segundo, CA, EUA) e bonecos individuais adicionais. Antes de cada participante, as bonecas foram verificadas e retornadas às suas posições iniciais para garantir consistência entre os participantes.
Atividades envolvidas
Foram incluídas brincadeiras individuais e conjuntas para examinar se a atividade cerebral era diferente quando as crianças se envolviam nessas formas de brincar sozinhas ou com um parceiro social. As regiões de interesse abrangeram elementos de redes funcionais relacionadas à empatia e tomada de perspectiva, função executiva e busca de recompensa. De acordo com os pesquisadores, as questões principais diziam respeito a quais áreas do cérebro seriam seletivamente envolvidas durante a brincadeira com a boneca em relação à brincadeira com o tablet, e se isso era consistente na brincadeira solo e em conjunto.
Os pesquisadores descreveram que, antes do início do experimento, as crianças tiveram a oportunidade de se familiarizar com um assistente de pesquisa brincando com ele em uma área de recepção. O pai e a criança foram então guiados para a sala de testes, onde a criança foi convidada a se sentar em um tapete quadrado no chão e ficar de frente para um monitor de computador montado na parede. Uma vez sentadas, as crianças vestiam o capacete para a realização da fNIRS (medido de acordo com o tamanho da cabeça de cada uma) e a iluminação da sala foi reduzida.
Enquanto o assistente de pesquisa principal realizava o nivelamento e calibração do equipamento fNIRS, o assistente familiar mostrou brevemente à criança como jogar os dois jogos do tablet para garantir que as crianças soubessem como jogar sem ajuda. Depois que o assistente principal alcançou uma boa qualidade de sinal, os pais ou cuidadores foram incentivados a observar de uma sala adjacente. Se um dos pais preferisse ficar na sala, eles eram instruídos a não interagir com o filho e a se sentar em uma cadeira no canto da sala (confirmado por vídeo). A sessão de fNIRS começava com a criança sentada calmamente e assistindo a um vídeo de 5 minutos. Em seguida, os blocos de jogos começaram. Nos dois primeiros blocos, a criança e o assistente familiar brincavam com as bonecas e com o tablet. A criança então brincou sozinha pelos próximos seis blocos, alternando entre bonecas e tablets.
A sessão foi concluída com dois blocos enquanto a criança e o assistente familiar brincavam com as bonecas e o tablet. A ordem de apresentação dos jogos tablet e conjuntos de bonecas foi contrabalançada com exceção dos dois últimos blocos onde a criança podia escolher seus favoritos para brincar uma segunda vez. As crianças podiam fazer pausas durante o teste ou interromper a sessão mais cedo, se desejassem. Toda a sessão de teste durou cerca de 60 minutos.
Enquanto as crianças estavam no teste, os pais foram convidados a preencher um questionário sobre a experiência de seus filhos com tablets e bonecas, relatando se seus filhos brincavam ou não com tablets e bonecas em casa e na escola/creche. Foram feitas perguntas abertas sobre a frequência com que seus filhos brincavam com os brinquedos, se brincavam de forma independente ou socialmente e com quais tipos de brinquedos as crianças brincavam em casa. Além disso, os pais foram solicitados a avaliar o quanto seus filhos gostavam de cada tipo de jogo em uma escala Likert de 1 (nada) a 5 (muito).
Os pesquisadores observaram que o sulco temporal superior posterior, uma região do cérebro associada ao processamento social e à empatia, é ativado quando as crianças brincam com um parceiro social, independentemente de a brincadeira ser com boneca ou tablet. Contudo, ao brincar sozinho, esta região está mais envolvida durante a brincadeira de boneca do que com o tablet, o que sustenta as descobertas comportamentais que a brincadeira de faz de conta apoia o processamento social e o raciocínio empático e levanta novas questões sobre os benefícios da brincadeira solo versus social.
Em termos de processamento de recompensas, nenhuma diferença na ativação do córtex orbitofrontal foi encontrada entre as diferentes formas de jogo, mas uma interação de gênero por contexto social indicou que havia marginalmente menos ativação para meninos do que para meninas durante a brincadeira solo. Isso implica que os meninos podem achar a brincadeira solo menos gratificante do que a brincadeira conjunta, enquanto as meninas consideram a brincadeira solo e a brincadeira conjunta igualmente gratificantes. No entanto, os pesquisadores alertam que esses resultados devam ser interpretados com cautela.
Esta pesquisa fornece a primeira evidência de que as regiões do cérebro de processamento social são igualmente ativas durante as brincadeiras de faz de conta com bonecas, tanto quando brincam sozinhas quanto com um parceiro social. O fato de a ativação do pSTS ser mais forte para brincar de boneca do que para brincar de tablet, especificamente quando a criança brinca sozinha, é consistente com a noção de que brincar de faz de conta permite que as crianças pratiquem interações sociais mesmo quando brincam sem ninguém. Para os neurocientistas envolvidos no estudo, as implicações dessas descobertas são de longo alcance e sugerem que a pesquisa que investigue as consequências em curto e longo prazo da brincadeira de mentirinha no cérebro e no comportamento será bastante proveitosa.
Autor(a): Roberta Esteves Vieira de Castro
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença. Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes. Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil pela Universidade Federal Fluminense (Linha de Pesquisa: Saúde da Criança e do Adolescente). Doutora em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pós-graduanda em neurointensivismo pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR). Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ. Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro. Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox. Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB. Membro do comitê de filiação da American Delirium Society (ADS). Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG). Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS).
Referências bibliográficas:
PRAZO CURTO