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Reeducação da rotina de sono-vigília funciona como uma higiene visando a qualidade do sono

Foto: Divugação

Abordagem e tratamento da insônia crônica em idosos

Publicado em 09/11/2020 às 17:48

 As queixas relacionadas ao sono, como a insônia, são frequentes em idosos e costumam trazer um prejuízo para a qualidade de vida e para o controle de doenças crônicas.

De forma didática, as queixas de sono dividem-se em:

  • Insônia (dificuldade de iniciar ou manter o sono);
  • Hipersonia (sonolência diurna excessiva);
  • Parassonias/Distúrbios de movimento.

A insônia crônica é sem dúvida alguma a condição mais comumente encontrada durante a avaliação de um indivíduo idoso. A hipersonia costuma estar associada a distúrbios respiratórios do sono (síndrome de apneia/hipopneia do sono). Já as parassonias englobam um grupo heterogêneo de eventos ou experiências físicas indesejáveis que ocorrem durante o sono ou durante a transição entre sono e vigília, enquanto os distúrbios de movimento podem ocorrer também durante o período de vigília. No artigo atual, vamos focar na abordagem à insônia crônica.  Na Parte 3 dessa série, serão discutidos os aspectos clínicos e os tratamentos dos demais distúrbios de sono em idosos.

Insônia crônica

Insônia crônica é definida como um relato subjetivo de dificuldade de iniciar ou manter o sono, considerando que existem tanto oportunidade e circunstâncias adequadas para o sono, e um impacto perceptível nas atividades diurnas do indivíduo. Para considerar a insônia como crônica, formalmente essa alteração deve ocorrer 3 vezes por semana por pelo menos 3 meses. Na última classificação dos distúrbios de sono, optou-se por não mais dividir a insônia em primária e secundária, já que a definição de etiologia raramente é feita e não gera modificação na abordagem terapêutica. Além disso, a insônia é frequentemente multifatorial, levando ao consenso de chamá-la alternativamente de “insônia comórbida”.

Diagnóstico

O diagnóstico da insônia é baseado na história clínica e pode ser auxiliado pela confecção do diário do sono (ver Parte 1). A realização de exames complementares, por exemplo actigrafia de pulso e polissonografia, fica reservada a casos específicos em que há dissociação entre a história clínica e a impressão diagnóstica, ou na suspeita de outros transtornos associados ao sono.

 

Tratamento não farmacológico

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é o tratamento mais eficaz para insônia em idosos. Ela tem efeito sustentado e até superior à terapia farmacológica com nível de evidência satisfatório, mas é difícil de ser aplicada em sua integridade devido a escassez de profissionais habilitados e especializados na técnica, o que não é tão frequente na prática clínica. A TCC abrange quatro estratégias principais: (1) higiene do sono; (2) controle de estímulos; (3) restrição de sono; e (4) terapia cognitiva. O foco das intervenções é no mecanismo que leva a cronificação da insônia após o seu surgimento, especialmente crenças e comportamentos inadequados como fatores perpetuadores que promovem o condicionamento à insônia.

Recomenda-se a aplicação dos conceitos da TCC durante as consultas médicas em geral, particularmente as estratégias para higiene do sono (Tabela 1). Além disso, é importante a identificação de sinais e sintomas de doenças que possam ser responsáveis pelo quadro de insônia e revisar os medicamentos em uso com potencial efeito no ciclo do sono (ver Parte 1).

Tabela 1. Orientações para higiene do sono

Objetivo: Reeducação da rotina de sono-vigília

Medicações e posologias - Evitar psicoestimulantes ou administrá-los durante o dia.

Bebidas e alimentos cafeinados - Não ingerir ou fazê-lo no máximo até o período da tarde.

Álcool e cigarro - Não é recomendado o uso por alterar a arquitetura do sono.

Ingestão de líquidos - Não ingerir líquidos após o entardecer.

Exercício físico - Praticar exercícios no período diurno.

Cronograma regular de sono-vigília - Procurar dormir e acordar no mesmo horário, evitando variações frequentes.

Cochilos - No máximo uma vez ao dia, com duração de até 30 minutos.

Aumentar o tempo de exposição à luz - Em caso de dificuldade para iniciar sono, é recomendado a exposição solar no período matinal.

Uso de eletrônicos - Evitar exposição a luz azul (telas de televisão, smartphonestablets) no período noturno.

Atividades relaxantes - Procurar realizar atividades relaxantes (ex: massagem, ouvir música, banho quente) próximo ao horário de dormir.

Tratamento farmacológico

O tratamento farmacológico da insônia deveria ser introduzido apenas em caso de falência da abordagem comportamental e, quando instituído, durar o menor tempo possível. No entanto, na prática clínica é comum a situação em que o idoso faz uso de um medicamento para induzir o sono por vários anos, muitas vezes sem a tentativa de buscar os fatores ambientais e individuais que levaram à queixa de início.

Os medicamentos liberados para o tratamento da insônia em idosos e suas respectivas doses estão descritos na Tabela 2. Eles estão elencados em ordem crescente de eficácia, mas também de efeitos colaterais. Como não há um tratamento que se sobressaia em ambos os quesitos (mais eficácia e menos efeitos colaterais), é mais comum que o perfil de efeitos colaterais guie a escolha do medicamento.

Tabela 2. Medicamentos para tratamento da insônia crônica em idosos

Classe farmacológicaMedicamentos/Doses recomendadas

Antidepressivos sedativos Mirtazapina 7,5-15 mg

Trazodona 25-100 mg

Doxepina* 3-6 mg

Agonistas de melatoninaRamelteona 8 mg

Não benzodiazepínicos de ação curta (“drogas Z”)Zolpidem 2,5-5 mg / CR 6,25 mg

Zopiclona 7,5 mg

Eszopiclona 2 mg

Benzodiazepínicos de ação intermediáriaLorazepam 0,5-1 mg

Alprazolam 0,5 mg

*Não disponível no Brasil. Ocasionalmente, pode ser obtido em farmácias de manipulação.
CR: liberação estendida. Todos os medicamentos devem ser administrados próximo ao horário de dormir. As “drogas Z” e os benzodiazepínicos podem ser administradas na hora de deitar, devido ao maior risco para quedas.

Mensagens finais

  • A insônia crônica é prevalente em idosos e deve ser considerada dentro do seu contexto multifatorial;
  • O diagnóstico da insônia é baseado na história clínica e pode ser auxiliado pela confecção do diário do sono;
  • A realização de exames complementares fica reservada a casos específicos em que há dissociação entre a história clínica e a impressão diagnóstica, ou na suspeita de outros transtornos associados ao sono;
  • O tratamento não farmacológico é o mais eficaz a longo prazo e foca nos potenciais mecanismos físicos, comportamentais e ambientais que cronificam o quadro de insônia (mecanismos precipitantes e perpetuadores);
  • A abordagem farmacológica deve ser empregada pelo menor tempo possível e com atenção especial aos efeitos colaterais de cada medicamento, considerando a vulnerabilidade dos idosos a esses insultos. 

Fonte: PEBMED

Autor(a): 

Especialista em Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) ⦁ Médica colaboradora do Serviço de Geriatria do HC-FMUSP ⦁ Doutoranda em Ciências Médicas pela USP ⦁ Equipe de Retaguarda de Geriatria do Hospital Sírio Libanês.

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