Sábado, 23 de novembro de 2024 Login
Nossas palavras têm importância, especialmente quando se trata de saúde mental. Uma expressão que você talvez não perceba e que é especialmente ofensiva é “cometeu suicídio”.
É uma expressão ainda amplamente usada por muitas pessoas, tanto em conversas pessoais quanto na mídia.
O termo pode parecer inofensivo, mas, na realidade, é carregado de estigmatização. Tanto que as diretrizes de organizações de saúde mental desaconselham seu uso.
“O termo ‘cometeu suicídio’ é prejudicial porque, para muitas pessoas ou mesmo a maioria das pessoas, ele evoca associações com ‘cometeu um crime’ ou ‘cometeu um pecado’, remetendo a algo moralmente repreensível ou ilegal”, diz Jacek Debiec, professor do departamento de psiquiatria da Universidade do Michigan e especialista em estresse pós-traumático e transtornos de ansiedade.
“Quando associamos a palavra 'cometeu' ao suicídio, ela discrimina ainda mais as pessoas que perderam sua batalha contra a doença.”
A expressão “cometeu suicídio” ignora o fato de que o suicídio, muitas vezes, é consequência de uma doença não tratada (como depressão, estresse pós-traumático ou outro problema de saúde mental).
Ele deve ser encarado do mesmo modo que qualquer condição de saúde física, diz Dan Reidenberg, diretor executivo da entidade Suicide Awareness Voices of Education (Vozes de Educação e Conscientização do Suicídio).
“Uma pessoa não ‘comete um ataque cardíaco’. Ouvimos dizer que uma pessoa ‘morreu de ataque cardíaco’. A mesma coisa se aplica à morte por suicídio. Quando associamos a palavra ‘cometeu’ ao suicídio, ela discrimina mais ainda as pessoas que perderam sua batalha contra a doença”, explica.
Reidenberg pondera que a melhor expressão é “morreu por suicídio”, que transmite a mensagem de que a morte foi causada por uma condição de saúde mental.
Por que isso tem importância no longo prazo Talvez pareça que implicar com duas palavrinhas seja como procurar pelo em ovo. Mas as palavras que usamos, quer sejam nossa escolha intencional, quer não, têm implicações muito mais amplas.
O uso de linguagem sensível quando falamos em saúde mental é crucial para eliminar os estereótipos negativos ligados às doenças mentais, agora e no futuro, e as consequências desses preconceitos.
Pesquisas revelam que, quando um transtorno mental é estigmatizado, as pessoas evitam buscar ajuda para tratar o problema, ajuda essa que talvez pudesse salvar vidas.
“O fato de termos dificuldade em escolher palavras para falar do suicídio reflete nossas dificuldades mais profundas em compreender a saúde mental de modo geral”, diz Debiec.
“A linguagem [que usamos] reflete nosso sistema de valores, tanto consciente quanto inconsciente”, afirma. “O uso de linguagem que julga o outro ou degrada nos impede de reconhecer a existência de problemas de saúde mental, de buscar ajuda e de oferecer ajuda.”
Para explicar em termos simples, a frase “cometeu suicídio” comunica que foi feito algo vergonhoso e errado; ela não capta a patologia da condição que acabou levando à morte. Ela deixa subentendido que a pessoa que morreu foi perpetradora, e não vítima. E não é preciso conviver com um problema de saúde mental para entender como isso pode ser prejudicial.
“As palavras têm consequências”, diz Debiec. “Recomendo às pessoas que reflitam sobre sua própria experiência, quando os julgamentos ou palavras de outros as magoaram ou ofenderam profunda e injustamente.”
″É hora de começarmos a encarar o suicídio como subproduto perigoso de uma condição de saúde que pode e deve ser prevenida. Isso requer tratamento, é claro. Mas também inclui prestar atenção às nossas palavras, para que as pessoas que vivem com um problema de saúde mental não se sintam repudiadas por falar de seu problema e buscar ajuda para tentar superá-lo”, diz Reidenberg.
Ele destaca que o suicídio é uma das maiores causas de morte nos Estados Unidos. “O suicídio é uma crise grave de saúde pública”, afirma Reidenberg. “Mais pessoas morrem por suicídio que por homicídios, acidentes de carro e câncer de mama. O suicídio é um problema real que precisa ser levado a sério sempre.”
Reidenberg diz esperar que mais pessoas adotem postura mais compassiva em relação ao suicídio.
“Precisamos continuar a trabalhar para prevenir tragédias, para festejar aqueles que continuam a viver. Precisamos fazer todo o possível para acabar com o estigma que cerca a saúde mental e o suicídio”, diz. “Apenas falando sobre esses problemas é que poderemos convencer as pessoas a se abrirem antes que ocorra uma tragédia.”
Deixar de usar a expressão “cometeu suicídio” como parte desse esforço pode ser um passo minúsculo, mas, pelo menos, é um passo à frente.
Fonte: Huffpost Brasil
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