Segundo informações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano são registrados mais de 800 mil suicídios no mundo, o que representa aproximadamente uma morte a cada 40 segundos. Além disso, a cada três segundos alguém atenta contra a própria vida. No Brasil, são mais de 11 mil casos anualmente, e muitas dúvidas surgem quando nos vemos na necessidade de ajudar uma pessoa que está pensando em suicídio.
O suicídio é uma questão de saúde pública. Não deve ser simplificado ou atribuído a uma única causa, pois trata-se do desfecho de uma série de fatores complexos que se acumularam na história daquela pessoa. Antes de tudo, é preciso buscar informação.
Embora os jovens formem um dos principais grupos vulneráveis, segundo o dr. Mauro Aranha, psiquiatra e coordenador do departamento jurídico do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), é entre os idosos que ocorre o maior número de suicídios. “O risco é ainda maior entre aqueles que têm doenças crônicas, incapacitantes ou intratáveis e que, por conta da idade, perdem amigos e companheiros de vida”, explica.
FATORES DE RISCO
Conforme informações da cartilha “Suicídio: informando para prevenir”, produzida pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), existem dois fatores de risco principais para o suicídio:
Tentativa prévia: Pessoas que já tentaram tirar a própria vida têm de cinco a seis vezes mais risco de tentar outra vez. Estima-se que metade daqueles que se suicidaram já tinham tentado antes.
Doença mental: Quase todos os indivíduos que se mataram tinham algum transtorno mental, em muitos casos não diagnosticado, não tratado ou não tratado de forma adequada.
Os transtornos psiquiátricos mais comuns incluem depressão, transtorno bipolar, alcoolismo e abuso/dependência de outras drogas, transtornos de personalidade e esquizofrenia. Pacientes com múltiplas comorbidades psiquiátricas têm um risco aumentado, ou seja: quanto mais diagnósticos, maior é a vulnerabilidade. Existem ainda fatores desencadeantes, como desesperança, impulsividade, isolamento social e falta de um sentido na vida.
FIQUE ATENTO AOS SINAIS
De acordo com o dr. Mauro, na grande maioria dos casos é possível identificar uma progressão que conduz uma pessoa desde a ideação (o pensar no ato) até a efetivação do suicídio: em um primeiro momento, não existe a ideia de se matar, mas sim um pensamento vago de que seria melhor morrer; depois, vem a ideação (o pensamento de se matar para aliviar seu sofrimento), seguida de pesquisas sobre como fazer isso; em muitos casos, a pessoa informa seus entes próximos e, por fim, executa o ato.
Ele afirma que é possível interromper esse processo com orientações e tratamento médico e psicológico. Os familiares podem e devem falar sobre o assunto e tentar avaliar em que momento o paciente pode estar. “Perguntar sobre o desejo de morrer não é indutor de suicídio. Muito pelo contrário, pois quando você dá oportunidade para a pessoa falar, ela conta com uma referência de acolhimento e auxílio que não tinha antes”, conclui o médico.
Os sinais de alerta incluem: falar sobre o suicídio (ou frases relacionadas, como “eu gostaria de estar morto” ou “eu não queria ter nascido”); ausência ou abandono de planos futuros; isolar-se de contato social; apresentar grandes mudanças de humor (estar eufórico em um dia e profundamente desencorajado em outro); ter atitudes arriscadas, como dirigir de forma imprudente ou entrar em brigas; e dizer adeus aos amigos e familiares como se não fosse vê-las novamente. “Os sinais nem sempre são óbvios e podem variar. Não representam o diagnóstico em si, podendo nem estar presentes ou estar presentes e não indicarem necessariamente risco de suicídio. Mas como são comumente associados ao perfil, vale a pena observá-los. Alguns deixam suas intenções claras, enquanto outros mantêm os pensamentos suicidas e sentimentos ocultos”, revela o dr. Claudio Duarte, psiquiatra do Hospital Santa Mônica, em São Paulo.
CONVERSE SEM JULGAR
O diálogo e a transparência são elementos fundamentais na prevenção. Ao falar com alguém que demonstra ideação suicida, devemos ter uma abordagem acolhedora e sem nenhum tipo de preconceito. É preciso ter interesse pleno em ajudá-la e fazer as perguntas que vão dimensionar em que fase do processo ela está. “O desejo de se matar precisa deixar de ser tabu para ser sintoma de um sofrimento psíquico que, aliviado, impede o suicídio”, afirma o dr. Mauro.
A gente tem que pensar que, quando se chega em um nível de idear a própria morte, ela já está em um estado de desesperança, o que implica não acreditar que um tratamento possa resolver.
O dr. Cláudio acrescenta que, quando alguém nos procura para conversar sobre suas emoções, é importante nos mostrarmos disponíveis e não adiar ou arrumar desculpas para evitar o assunto, pois isso passa a ideia de que não nos preocupamos de verdade. Outra reação que deve ser evitada é o uso de expressões que diminuem o que ela sente, como “isso não é nada”, “tem gente em situação muito pior” ou que a façam se sentir ainda mais culpada, como “não avisei que isso ia acontecer?” ou “foi você que procurou isso”. Esse é um momento em que o paciente precisa de acolhimento, e não de repreensão. “Na realidade, será preciso muito mais do que uma única conversa. Você tem que mostrar que a pessoa pode contar com você para desabafar. Por isso, estabeleça o diálogo em locais fechados, de preferência em um ambiente confortável”, recomenda o médico.
Para a voluntária do Centro de Valorização da Vida (CVV) Eliane Soares, a importância do diálogo para alguém que está passando por um sofrimento profundo é enorme, pois falar abertamente sobre seus sentimentos ajuda a aliviar as pressões internas. “Às vezes, não é suficiente para resolver o problema em longo prazo, mas dá mais tempo e permite que a pessoa reorganize suas ideias e emoções”, opina.
O CVV é um serviço de apoio emocional gratuito e realizado por voluntários via telefone, chat ou e-mail. Em 2017, foram cerca de 2 milhões de atendimentos. O modelo é sigiloso e não diretivo, ou seja, não há aconselhamento ou julgamento. “O tempo de atendimento varia muito e não há limites formais. Tem gente, por exemplo, que liga só para dar e receber um ‘boa noite’, enquanto outros ficam por mais de uma hora conversando”, conta Eliane.
ACOMPANHE O TRATAMENTO
Se você quer estimular ou convencer alguém a buscar atendimento médico e psicológico, o primeiro passo é deixar claro que não há julgamento. É preciso mostrar ao paciente que a ideação é um sintoma de seu sofrimento, de forma que ele não se sinta invadido, oprimido ou envergonhado por esse desejo.
Na maioria das vezes, não basta apenas recomendar que se busque um tratamento, é necessário conduzir a pessoa de forma que ela chegue ao atendimento: marcar uma consulta junto com ela, acompanhá-la no dia e se mostrar disponível para as orientações que o médico e/ou o psicólogo vão passar. “A gente tem que pensar que, quando se chega ao nível de idear a própria morte, ela já está em um estado de desesperança, o que implica não acreditar que um tratamento possa resolver”, explica o dr. Mauro.
Muitas vezes, essa pessoa fará de tudo para manter distanciamento de todos, mesmo daqueles que só querem o seu bem. Uma boa opção é tentar levá-la a grupos e centros de ajuda. “Por meio de palestras ministradas por profissionais da saúde ou depoimentos de quem viveu a situação e se recuperou, é possível oferecer um olhar positivo sobre o momento. Acompanhe-a durante os encontros”, indica o dr. Cláudio.
Eliane diz que nem sempre é fácil a decisão de buscar ajuda, pois ainda existe preconceito em relação aos psiquiatras e psicólogos. “Talvez uma forma interessante seja dizer que quando você tem uma doença mais bem aceita pela sociedade, como diabetes, por exemplo, você procura um endocrinologista. Nesse caso, ela também precisa procurar um médico, pois o que ela está passando pode tanto ser controlado como se agravar.”
TRATAMENTO É INDISPENSÁVEL
A intervenção médica é muito eficaz para evitar o suicídio, seja porque a pessoa precisa ter uma escuta terapêutica ou porque ela precisa ser medicada. “Tive vários pacientes que eu tenho a convicção de que a escuta terapêutica e o tratamento farmacológico foram determinantes para evitar o desfecho fatal. À medida em que vai melhorando, o próprio indivíduo começa a compreender que estava sob uma atmosfera de desesperança e isolamento social que têm solução”, afirma o dr. Mauro.
O diálogo é essencial, mas em muitos casos não substitui a necessidade de medicamentos. Se a pessoa sofre de um transtorno mental que exige intervenção farmacológica e não realiza o tratamento, esse ponto se torna um obstáculo para a prevenção. Dar apoio emocional e se mostrar disponível é fundamental, mas o paciente precisa de mais do que isso para se recuperar. “Por mais que você esteja junto dele, existe ainda um fator biológico que precisa ser corrigido no sistema nervoso central”, salienta o psiquiatra.
O que percebemos ao longo dos anos é que as pessoas não compartilham seus sentimentos por vergonha e na solidão acabam tomando decisões para acabar com a dor.
Convencer alguém sobre a necessidade de tratamento é um processo que pode ser muito lento e envolve momentos de tensão, quebra de confiança e incertezas. Por isso, você, que estará ajudando, também pode buscar ajuda para si. Sentimentos de medo, culpa e raiva são comuns e saber lidar com cada um é muito importante para não tornar a situação ainda mais grave. Uma consulta médica ou psicológica pode ser benéfica para lhe orientar sobre como lidar com esses sentimentos e auxiliar o ente que está pensando em se matar.
SUICÍDIO AINDA É TABU
Uma das maiores barreiras para a prevenção é o fato de que o assunto ainda é tabu. Por razões religiosas, morais e culturais, o suicídio por muito tempo foi visto como um pecado e um motivo de vergonha para a família daqueles que tiraram a própria vida. Na verdade, trata-se de um problema de saúde pública que ainda hoje não é cuidado de forma adequada, haja vista a tendência do Brasil de apresentar taxas crescentes de suicídio. Para combater o problema, é necessário um conjunto de ações.
É imprescindível falar sobre o assunto de forma transparente, assim como deve acontecer com outros problemas sociais que sempre foram pouco debatidos e, aos poucos, passam a ser discutidos, como é o caso do bullying. “Precisamos pensar em soluções para a superação de questões como essas. São questões que sempre existiram mas sobre as quais não se falava, e, enquanto não se falava, as pessoas sofriam muito mais, porque se viam isoladas socialmente. Uma conduta mais transparente e liberal nos costumes e hábitos sociais favorece o acesso àqueles que sofrem sozinhos”, diz o dr. Mauro.
“Um tabu arraigado em nossa cultura por séculos não desaparece sem o esforço de todos nós. Tal tabu, assim como a dificuldade para buscar ajuda, a falta de conhecimento e de atenção sobre o assunto por parte dos profissionais de saúde, além da ideia errônea de que o comportamento suicida não é um evento frequente, condicionam barreiras para a prevenção. Lutar contra isso é fundamental para que a prevenção seja bem-sucedida”, afirma o dr. Cláudio Duarte.
Na visão do especialista, ainda existe um preconceito muito grande em relação à saúde mental de modo geral no Brasil no mundo. É importante falar sobre o assunto e encarar o transtorno mental como uma doença que precisa ser tratada. “O que percebemos ao longo dos anos é que as pessoas não compartilham seus sentimentos por vergonha e na solidão acabam tomando decisões para acabar com a dor.”
Informações:
Se você precisa de ajuda e quer conversar, entre em contato com CVV pelo número 188 ou pelo site https://www.cvv.org.br/. O atendimento funciona 24 horas por dia, todos os dias. Não hesite em buscar atendimento médico e psicológico ou um grupo de apoio.
Fonte: Drauzio Varela - Portal UOL