Domingo, 8 de dezembro de 2024 Login
A Covid-19 trouxe uma dura realidade para as famílias brasileiras. A progressão nos sinais e sintomas da doença é rápida e muitas vezes avassaladora. Os familiares enfrentam diversas situações, desde a impossibilidade de ver os pacientes no momento da internação, até a impossibilidade de velar e enterrar seus entes queridos, nos casos onde há morte. São repetidas histórias de famílias que perdem seus avós, pais e até filhos com uma doença que chegou de forma rápida e agressiva. As primeiras medidas de distanciamento social começaram em março de 2020 e logo um número expressivo de infectados e óbitos apareceram.
As famílias brasileiras tiveram um desencontro de informações e um atropelo de ações governamentais que eram contra orientações da comunidade científica internacional. O Brasil é o terceiro país do mundo com o maior número de casos confirmados, ficando apenas atrás dos Estados Unidos e Índia. O número de óbitos representa cerca de 10% de todas as mortes no mundo. Indubitavelmente esses dados apontam que o sistema de saúde não estava preparado para tal situação. Todos os processos até então compreendidos pela sociedade em relação ao adoecimento e morte foram modificados.
A internação hospitalar dos entes queridos
Um momento complexo na vida das famílias brasileiras é quando há necessidade de internação por complicações causadas por Covid-19. A dor das famílias é imensurável, uma vez que a mortalidade é alta e os cuidados passaram por momentos complexos. Profissionais de saúde foram compreendendo a doença praticamente junto com a população e a incerteza tomou conta dos lares. Muitos familiares apenas podiam recorrer a fé ou espiritualidade e os locais de acolhimento eram escassos. O movimento era na tentativa de tentar criar condições para atender os sintomáticos da doença, mais uma vez, foi tudo muito rápido para todos nós.
Uma hora o familiar estava em casa e logo depois sendo encaminhado para um local de assistência à saúde. Essa rápida evolução da doença e os graves sintomas respiratórios levaram desespero as famílias. Além disso, a necessidade de oxigênio e a falta de possibilidade de atendimento assombra até hoje em muitos estados. São muitas as vulnerabilidades da população diante da pandemia. São muitas as preocupações. Um dos grandes impedimentos em relação ao acolhimento e recepção das famílias nos locais de cuidado é a necessidade de distanciamento social.
Os familiares não podem visitar, ter contato físico e ver seus entes queridos durante as internações hospitalares. O distanciamento causa uma série de preocupações e sentimentos de incerteza que levam a ansiedade, angústia e até doenças como a depressão. Por esse motivo é que se faz necessário o uso da tecnologia para que os profissionais possam assegurar um cuidado estendido à família. A explicação do estado do paciente deve considerar sempre a apresentação do quadro real, respeitando e tranquilizando quanto a interpretações equivocadas.
Quando os familiares são encaminhados à setores fechados de alta complexidade, transitando da ventilação não invasiva para a ventilação invasiva, ficam em uma posição vulnerável e há o aumento do seu sofrimento, pela compreensão do agravamento da condição do paciente. Nesse momento, os profissionais devem explicar as ações de cuidado e manter sempre uma fala respeitosa, verdadeira e positiva. Observados condições de estabilidade do quadro, os profissionais devem se atentar em ter cuidado com as informações para que não cause sentimentos de prognósticos equivocados.
A equipe de enfermagem sempre deve lembrar que as informações sobre os usuários devem ser feitas de forma oficial e de acordo com o protocolo das instituições, respeitando os direitos dos familiares e dos pacientes. Da mesma forma, a sensibilidade deve ser materializada no comprometimento da informação e do cuidado que é extensivo a família. Nesse sentido, as instituições necessitam buscar ações de educação sobre melhores maneiras de realizar os informativos diários para os familiares. Com devido treinamento os profissionais podem evitar preocupações e a constituição de vulnerabilidade nesse momento difícil.
Um sentimento que deve ser trabalhado com os familiares por profissionais de enfermagem é a questão da contaminação. A culpa pela infecção do ente querido pode gerar o adoecimento dos familiares. A pergunta: de quem é a culpa? Pode trazer culpabilização indevida para o momento. Esse é um problema real que as equipes de saúde enfrentam. Essa questão deve ser enfrentada com todo cuidado, para que não haja por meio do fenômeno da culpa de adoecer o enfermo, o adoecimento de um membro da família. Lembre-se, as ações de prevenção devem ser realizadas. Não deve ser feito em hipótese alguma fala punitiva, mesmo que não tenha tomado os cuidados necessários.
Com a pandemia veio também o adoecimento e a morte. O processo de morte e morrer na pandemia seguiu um processo atípico e ainda desconhecido para as famílias. Os rituais fúnebres foram retirados dos familiares enlutados. Houve uma desconstrução dos ritos de passagem. As pessoas encaminham seus entes queridos para o local de cuidado e muitas vezes nunca mais os encontram. Não se pode mais olhar para a pessoa e se despedir. Esse importante momento de despedida que provoca o encontro do familiar com a morte do seu ente querido, não acontece. A perda pode, por esse motivo, não ser processada, criando uma lacuna na condição emocional dos familiares. Os rituais frente a morte, são culturais, históricos e simbólicos para nossa sociedade.
Assim como a vida começa antes do nascimento, a morte não termina no fim das atividades fisiológicas para a família. Assim como um bebê é esperado por seus pais e existe antes de sua real existência física, na morte, mesmo não havendo vida biológica, há uma vida representativa que pode nunca se extinguir. Por isso, devemos compreender o cuidado no pós-morte. Não apenas o cuidado com o corpo, mais o cuidado com os afetos que este corpo deixou no mundo. Os familiares são a própria extensão dessa existência e isso deve nos comprometer em realizar cuidados mesmo depois do fim.
Cardoso et.al (2020) revela que os familiares relatam a impossibilidade de ajuda, havendo um sentimento de impotência. Revelam que tudo acontece de forma rápida e inesperada, lidando com a experiência traumatizante da perda e risco elevado de contágio, que impede que os corpos sejam velados, provocando dor, revolta e sentimentos de perplexidade e abandono. O autor ainda apresenta que os familiares revelam a dificuldade na relação com a equipe de saúde, que mecanismos protetivos podem minimizar o sofrimento dos familiares e a empatia pode ser a saída para a diminuição desses sentimentos.
Lembre-se que o adoecimento e a morte por Covid-19 merecem a atenção dos profissionais de enfermagem. Os familiares estão sofrendo e o cuidado subjetivo deve ser uma técnica do enfermeiro. Cabe ressaltar que as instituições devem investir em treinamento para que os profissionais possam ter melhores ações de cuidado nesse sentido. No entanto, cabe lembrar que esses profissionais necessitam de suporte psíquico para desempenhar essas atividades que demandam grande energia psíquica. Cuidar de quem cuida é fundamental para o efetivo processo de cuidar.
Autor: Rafael Polakiewicz - Doutorando em Ciências do cuidado em saúde
Fonte: PEBMED